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Revista Retratos

Profissões ribeirinhas ainda resistem no São Francisco

Editoria: Revista Retratos | Mônica Marli | Arte: Simone Mello

05/12/2018 09h00 | Atualizado em 05/12/2018 09h00

Para quem o São Francisco é “tudo”, os sinais de degradação do rio provocam tristeza e angústia, mas não em doses suficientes para deixarem de persistir na luta pela sobrevivência do Velho Chico e de suas tradições. Assim são os trabalhadores do Baixo São Francisco. Nos dias em que esteve nessa localidade, a equipe da Retratos conheceu histórias de pessoas que dependem, ou já dependeram, economicamente do rio. São arrozeiros, barqueiros, ceramistas e pescadores, que, além do amor pelo Velho Chico, têm em comum a memória e a saudade dos tempos de fartura do São Francisco.

Histórias de pescadores

Celestino Lima Silva, morador de Propriá, começou a trabalhar como pescador aos 18 anos, seguindo os passos do pai. Hoje, aos 65 anos, ele está aposentado, mas não tem dúvidas na hora de responder se sente falta da profissão. “Saudade do tempo da pescaria? Claro que tenho, oxente”, fala prontamente.

O pescador conta que se aposentou há mais ou menos cinco anos e que, na época, vendeu todos os instrumentos de trabalho: rede, motor e barco. “Eu tinha quatro meses de um barco novinho”, relembra saudoso. Mas Celestino comenta que, atualmente, a vida de pescador é muito mais difícil: “A gente está pescando praticamente dentro de um poço, porque o rio se acabou. Depois dessa ruma de barragem que existe aí, os peixes foram desaparecendo”.

Já para José Nivaldo da Silva, de 48 anos, o sustento ainda vem da pesca. Durante uma carona em seu barco, o conterrâneo de Celestino mostrou à equipe da Retratos a situação do Baixo São Francisco e contou sobre as dificuldades da profissão. “Dá para arranjar o pão de cada dia, mas não está fácil, não”, ressalta.

Luiz Gonzaga do Nascimento diz que a escassez de cheias mudou a forma de
plantar arroz
O aposentado Celestino Lima Silva guarda as lembranças dos tempos de
pescador
José Haroldo vem trocando o cultivo de arroz pela piscicultura
Isaac Soares é um dos 10 irmãos ceramistas que trabalham juntos em Santana
do Baixo São Francisco

Adaptação de espaços e culturas

No município de Telha, que faz parte do perímetro irrigado de Propriá, o cultivo de arroz é uma tradição centenária. E, em uma primeira olhada, a atividade ainda parece ser forte no local. O cenário, às margens do Velho Chico, é composto por arrozais, máquinas de colheita e muitos trabalhadores que passam o dia nessas tarefas. Mas, segundo o arrozeiro Luiz Gonzaga do Nascimento, de 74 anos, o número de pessoas vivendo em torno do arroz era muito maior antes da seca.

“Toda segunda-feira era um batalhão de pessoas que desciam para a vargem para trabalhar. Hoje em dia não tem quase ninguém, porque também não tem mais trabalho aqui”, ressalta. Luiz Gonzaga conta que, mesmo para quem continuou na profissão, a forma de plantar arroz mudou com a escassez de cheias.

E é nessa nova realidade que também trabalha o rizicultor Marcelo Novaes. Segundo ele, a tecnologia ajuda bastante, mas o volume de águas do rio continua sendo fundamental. Quando baixa a vazão da água, as bombas não captam”, explica.

Por não ter outra fonte de renda, o sergipano continua trabalhando com a plantação de arroz. “Antigamente eu plantava cinco lotes, hoje só dois. Eu tive que ceder áreas para outros amigos, senão eles ficariam sem nada”, comenta. Mas, devido às dificuldades de produção e do próprio mercado, muitos produtores da região estão substituindo o cultivo de arroz pela piscicultura.

Os dez irmãos ceramistas

Em Santana do Baixo São Francisco, em Sergipe, a equipe da Retratos conheceu a família Soares, formada por dez irmãos que trabalham juntos com artesanato em cerâmica. O irmão mais velho, Júlio, de 55 anos, foi o primeiro a entrar para o ofício, seguindo os passos de um tio. Atualmente, no ateliê, ele trabalha de frente para o rio:

“O São Francisco é minha inspiração. É meu pano de fundo, cartão postal”, diz, orgulhoso. Mas Júlio conta que o Rio São Francisco mudou muito desde quando ele começou a trabalhar. O artesão acredita que a escassez de água ainda não afetou a cerâmica. O irmão Isaac Soares parece menos otimista e acredita que, com o São Francisco secando, a argila também corre perigo. “A enchente do rio ajudava muito a renovar o barro, mas já vai fazer 14 anos que esse rio não enche de transbordar. O barro é a matéria-prima da gente. E pode, sim, um dia esgotar”, afirma.

Quando não estão trabalhando, os Soares gostam de passar o dia no rio, tomando banho, pescando e contemplando a paisagem. “Rio é vida”, destaca Júlio. E Isaac completa: “É muita coisa! Apesar de ele estar assim bem fraquinho, temos que dar graças a Deus de ele ainda estar aí”.

Veja mais sobre o São Francisco na revista Retratos 13 e nos links abaixo:

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