Revista Retratos
A arte da sericicultura ganha espaço no país
17/04/2018 09h00 | Atualizado em 17/04/2018 11h17
Descoberta por volta de 4.500 AC e mantida em segredo durante séculos pelos chineses, a produção de seda é hoje dominada por vários países. Chamada de sericicultura, a atividade consiste na criação do bicho-da-seda para a produção do fio, que já chegou a valer o mesmo que ouro, deu nome à rota comercial entre a China e Europa e é atualmente um dos produtos mais cobiçados pela indústria da moda. O Brasil, distante de todo esse histórico milenar, deu início à sericicultura somente no século XIX. Com o passar dos anos, o país tem ganhado visibilidade internacional na produção de seda graças à qualidade do fio, que é considerado o melhor do mundo.
Que o bicho-da-seda dá origem a um dos fios mais finos que existe, não é novidade. Agora como funciona a cadeia produtiva do setor ainda é um processo desconhecido para muita gente. Tudo começa com a reprodução das mariposas do bicho-da-seda, chamadas cientificamente de Bombyx Mori. O procedimento é totalmente controlado pelo homem e ocorre no campo de criação da Bratac, em Londrina (PR), única empresa fornecedora de larvas e produtora de fios de seda no país.
Cada fêmea bota entre 500 e 600 ovos, de onde nascem as larvas que vão tecer os fios de seda em torno de si mesmas, formando um casulo.
Do nascimento até o término desse ciclo, a lagarta passa por cinco etapas de desenvolvimento. Na terceira delas, com sete dias de vida, entra o esforço de pouco mais de 2 mil sericicultores brasileiros, oferecendo estrutura e alimentação adequadas para que as larvas cresçam e teçam bons casulos. Com o clima favorável - temperatura entre 20 e 30 graus Celsius - esse trabalho dos produtores dura em torno de 25 dias, quando ocorre a colheita e venda dos casulos. Para manter o fio intacto, o bicho é sacrificado ainda dentro do invólucro e depois comercializado para grandes fabricantes de ração. O fio de seda, por sua vez, é desenrolado e exportado para países como Japão, Coreia, França e Itália.
“Hoje o mundo da moda utiliza o fio brasileiro porque é o de melhor qualidade que existe”, afirma o técnico agrícola do Instituto Emater e gerente da Câmara Técnica do Complexo de Seda do Estado do Paraná, Oswaldo da Silva Pádua. De acordo com ele, o clima, os cuidados com o solo e o melhoramento genético das lagartas são algumas das características que influenciam na superioridade dos casulos produzidos no Brasil, que têm em média 1,2 km de fio de seda ininterrupto e sem defeitos.
Os dados da última Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), do IBGE, mostram que, em 2016, o Brasil produziu 2,8 mil toneladas de casulos de bicho-da-seda, ficando em quinto lugar na produção mundial, atrás da China, Índia e Uzbequistão e Tailândia. O Paraná lidera a produção nacional com 83%, seguido por São Paulo (12%) e Mato Grosso do Sul (5%).
Da sericicultura, o sustento da família
Na fazenda da família do seu Antônio Dosso, de 75 anos, o dia começa bem antes de os galos cantarem. Às 3 horas da manhã, o genro Dirceu já está de pé, com as cerca de 320 mil larvas de bicho-da-seda que cria em seus dois barracões. “Venho aqui primeiro, trato e depois vou cortar amora”, diz o agricultor, que alimenta as lagartas cinco vezes ao dia com folhas de amoreira, único alimento que o bicho consome.
A atividade no sítio começou em 1985 e desde então vem sustentando a família. “Acabou o cafezal e a gente começou com o bicho-da-seda”, conta Antônio. Hoje, com alguns problemas de saúde, a responsabilidade de cuidar das lagartas não é mais dele, mas sim da filha Aparecida e de Dirceu. A esposa, Maria, ainda ajuda bastante com os trabalhos, mas reconhece que “não é fácil manter um barracão desses”.
A família mora numa fazenda em Nova Esperança, noroeste do Paraná. O município faz parte do Vale da Seda, composto por 29 cidades e reconhecido por ser o maior polo produtor de casulos de bicho-da-seda no Ocidente. Na região, os sericicultores viabilizam até 10 criadas do bicho no ano. Nos meses mais frios, a produção é suspensa, pois as amoreiras entram em dormência e as lagartas param de se alimentar, prejudicando a formação do fio.
Hoje, no local, cerca de 600 casulos (um quilo) são vendidos pelos produtores a R$ 21. O preço varia de acordo com a qualidade da matéria-prima e rende frutos bons para quem se dedica. “Hoje eu tenho casa, carro na garagem, os moleques estudando, comendo, vivendo. Rico não fica, pode ter certeza. Mas devendo também não está”, conta Dirceu, que mantém a filha Gláucia na escola e paga faculdade de direito para o filho Douglas. Os filhos não pretendem seguir trabalhando no campo.
Desafios e inovação
A sericicultura no Brasil é uma atividade bastante organizada, mas que vem perdendo espaço com o passar do tempo. Em dez anos, a produção de casulos de bicho-da-seda no país caiu 36,2%. “Estamos trabalhando para desenvolver alternativas no sentido de sensibilizar os mais jovens para a sucessão familiar”, afirma Oswaldo, que atua na Câmara Técnica do Complexo de Seda do Paraná. A instância é formada por representantes do governo estadual, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), das universidades e das associações de sericicultores. “É da Câmara que saem programas de governo para melhoria de toda a cadeia produtiva do setor, aperfeiçoamento da assistência técnica, da extensão rural e das pesquisas”, conta Oswaldo.
Também no Paraná, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) mantém o único banco de germoplasma de bicho-da-seda público no país, sendo referência em pesquisa no assunto. “O laboratório trabalha em parceria com pesquisadores da Inglaterra, Canadá e França, além de países da América Latina”, afirma a professora doutora Maria Aparecida Fernandez, que coordena o Departamento de Biotecnologia, Genética e Biologia Celular da UEM.
Dentre os avanços obtidos pelos pesquisadores na preservação e no melhoramento genético das espécies estão a identificação de raças altamente produtivas e dos efeitos de inseticidas, aplicados em outras culturas, sobre a produtividade do bicho-da-seda.
Atualmente, uma das pesquisas em andamento investiga a produção de casulos coloridos, obtidos a partir do uso de corantes na alimentação das lagartas. A novidade reduziria um dos processos químicos mais poluentes que existe: o tingimento posterior do tecido, que produz grande volume de águas tóxicas, muitas vezes não tratadas antes de serem devolvidas à natureza. “Conseguir produzir seda colorida por processos naturais sem a necessidade de tingimento seria de extrema importância para a continuação do desenvolvimento da indústria têxtil, porém, sem dano algum ao meio ambiente”, afirma a professora.