Revista Retratos
Quebradeiras de coco babaçu preservam tradição no interior do Maranhão
24/01/2019 09h00 | Atualizado em 24/01/2019 09h00
Na zona rural do município maranhense de Bacabal, a cerca de 250 quilômetros da capital, São Luís, está o povoado Aldeia do Odino, onde as mulheres perpetuam uma tradição: desde crianças até senhoras de mais de 60 anos de idade, as quebradeiras de coco babaçu contribuem para que o Maranhão seja o estado com a maior extração de amêndoa desse tipo de coco no país. Segundo a Produção da Extração Vegetal e Silvicultura (PEVS), do IBGE, o estado é responsável por 93% da amêndoa de coco babaçu extraída em todo o Brasil.
Enormes pilhas do produto podem ser vistas na frente das casas, esperando para serem quebrados e ter a amêndoa extraída e comercializada. Maria da Paz da Silva, 65 anos de idade, é quebradeira de coco desde os cinco anos. Mesmo afastada das atividades por problemas de saúde, volta e meia ela insiste. “Tem dia que o braço não levanta mais, mas de vez em quando ainda quebro uns dois ou três quilos”, relata a aposentada, que criou seus filhos, netos e bisnetos com essa renda. “Coco no mato e machado na mão. Era o que eu tinha para criar os meus filhos”, relata Dona Maria.
O conhecimento é passado de geração em geração e a questão de gênero é central. “A atividade é exercida quase exclusivamente por mulheres. As meninas aprendem desde cedo a lidar com o coco acompanhando suas mães, desde a coleta dentro das fazendas, ao carregar para casa e à quebra do coco para tirar a amêndoa”, explica Marta Antunes, pesquisadora do IBGE.
Donas das árvores
As quebradeiras de coco são uma das quinze identidades étnicas brasileiras reconhecidas como comunidades tradicionais e, portanto, merecem proteção de seu modo de vida por parte do Estado. Mas suas conquistas nasceram, principalmente, da articulação das próprias mulheres da região, através do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que contempla os estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí. A maior conquista do movimento foi a criação de uma lei municipal, conhecida como Lei do Babaçu Livre, que nasceu em Lago do Junco, no Maranhão, e se espalhou por vários outros municípios.
As leis do babaçu livre deram às mulheres direitos sobre as palmeiras independentemente da terra onde se localizassem. Na luta por sua implementação, as mulheres alegaram que, antes do direito à propriedade privada, estava o direito à vida. “Antes da lei elas faziam ‘empates’, ou seja, se colocavam na frente das palmeiras com os filhos em volta. Falavam que cada palmeira que matavam era uma mãe de família que caía junto”, conta Marta Antunes.
Nos municípios com a Lei do Babaçu Livre, os fazendeiros permitem a entrada das mulheres em suas fazendas sem negociação nenhuma e eles ficam proibidos de derrubar as palmeiras e usar agrotóxicos. Marta explica que a legislação garante que os fazendeiros mantenham uma distância mínima entre as palmeiras e deixem adultas e jovens para renovar. Queimar coco inteiro passou a ser proibido e cortar a palmeira e o cacho de cocos também, aumentando a disponibilidade de coco e diminuindo a distância percorrida pelas mulheres. “Toda essa organização aumentou o preço da amêndoa”, comenta a pesquisadora do IBGE.
Entretanto, a lei do Babaçu Livre ainda não chegou a Bacabal e o manejo do coco babaçu compensa cada vez menos. A aposta da região é o Projeto Floresta de Babaçu em Pé, também articulado pelo MIQCB, com objetivo de organizar as quebradeiras para que conheçam e lutem por seus direitos, inclusive pela implantação da Lei do Babaçu Livre. O projeto prevê, ainda, a criação do Fundo Babaçu, com recursos financeiros para a melhoria das conduções de vida das famílias agroextrativistas.
Veja a matéria completa na Revista Retratos n 15.