Revista Retratos
Comércio ambulante como alternativa de ganhar a vida
05/04/2018 09h00 | Atualizado em 10/04/2018 08h50
Nas praças e principais ruas das cidades e nas areias das praias muitas pessoas buscam a subsistência levando rotinas cansativas, com extensas jornadas de trabalho, sob sol forte ou chuva, muitas vezes tendo que enfrentar a repressão de fiscais e a hostilidade dos comerciantes. Sua profissão: ambulante. Várias delas gostariam de ter outra ocupação ou conseguir um emprego formal, mas por falta de estudo ou de oportunidade encontraram no comércio ambulante uma alternativa para ganhar a vida. Porém, apesar das dificuldades inerentes à atividade, alguns ambulantes se tornaram personagens típicos dos locais onde atuam, conquistando o público com sua alegria e produtos de qualidade.
Iracilda da Silva Diniz, conhecida como Cida do Acarajé, de 63 anos, nasceu em Salvador (BA) e é uma das 28 baianas de acarajé com autorização para vender iguarias da culinária baiana na cidade do Rio de Janeiro. Quando jovem, sonhou em ser arquiteta, mas a tradição de produzir a comida de origem africana, passada pela mãe e pelas tias, e a necessidade de garantir a subsistência falaram mais alto. E ela não se arrepende: “criei meus dois filhos com o dinheiro da barraca e consegui formá-los. A moça trabalha como gerente em uma empresa de cruzeiros marítimos e o rapaz é promotor”, orgulha-se.
A barraca de comidas típicas começa a funcionar às 10h30 e permanece atendendo os clientes que trabalham ou estudam no local até 18h30, e os produtos mais vendidos são o vatapá, o caruru e o acarajé. Entre os doces, os mais pedidos são a cocada, o pé-de-moleque, o bolinho de estudante e o lelê (doce de canjiquinha com coco). Cida acorda todos os dias às 4 horas da manhã e se desloca do bairro de Icaraí, em Niterói, onde mora, para um galpão na Ponta D’areia, no mesmo município, onde prepara as comidas que irá servir do outro lado da Baía de Guanabara, no Largo da Carioca, onde trabalha há 30 anos.
Em Santa Catarina, no sul do país, é fácil saber a hora de fazer aquele lanchinho, basta estar atento ao chamado: “A bananinha!”. A voz grave que anuncia o pastelzinho de banana vendido há 21 anos em Florianópolis é ouvida com menos frequência hoje em dia por moradores e turistas do Campeche, bairro do sul da ilha catarinense onde fica a praia de mesmo nome. Prestes a completar 78 anos, o ambulante Neri da Costa, o homem da bananinha, está cansado. As saídas de bicicleta, com chapéu de aba larga e cestinha de pastéis na garupa, estão mais escassas. Antes ocorriam todos os dias, sempre às 14h, com folga apenas às segundas-feiras.
Trabalho, mas sem garantia de direitos
Segundo o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, a partir de 2014 observou-se um crescimento significativo de pessoas que, após serem demitidas de empregos formais, passaram a trabalhar como ambulantes, especialmente no setor de alimentação. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), havia 1,3 milhão de ambulantes no país no 3º trimestre de 2017. Especificamente no setor de ambulantes de alimentação, eram 501,3 mil pessoas, o que representa um expressivo aumento frente aos 98,4 mil que atuavam nesse ramo em 2012.
Esse é o caso de Josélia Lima, de 43 anos, que em maio de 2017 perdeu o emprego de carteira assinada como ajudante de cozinha em um restaurante da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Então, Josélia, que é natural do Ceará e mora no bairro do Méier, optou por trabalhar como ambulante em uma barraquinha de cachorro-quente, na avenida Rio Branco, no centro da cidade: “[vender comida] dá mais dinheiro, pois as pessoas deixam de comprar outros bens, mas não deixam de comer”, diz.
A aparente autonomia de atuar por conta própria, pela possibilidade de escolher o produto que quer comercializar, o ponto de venda e o preço, muitas vezes esconde uma situação de insegurança social.
“O problema é que a maior parte dessas pessoas não tem registro, não contribui com a Previdência Social e não tem proteção social”, ressalta Cimar.
Mas nem todo ambulante vê desvantagem no trabalho informal, como Silvia Barbosa, que há mais de 20 anos trança cabelos no Pelourinho, em Salvador (BA). “Eu gosto do que faço, trabalho com orgulho. Já tentei fazer outra coisa, mas não me vejo em outra área”, afirma a ambulante, que atua nessa atividade desde os seis anos.
Sob o sol forte
A informalidade não é o único desafio enfrentado pelos ambulantes. Na busca por fregueses, muitos precisam se deslocar por vários quilômetros carregando o peso das mercadorias. Trabalhando na praia de Copacabana há 12 anos com produtos para o público infantil, o ambulante Vanildo Mello conta que o trabalho é muito difícil: “tem que ter muita disposição, determinação e vontade de vencer”. Para ele, o pior é o sol: “para me proteger, eu uso protetor solar, chapéu e, nos dias muito quentes, dou um mergulho para refrescar”.
Ambulantes também estão sujeitos às ações das prefeituras na repressão à atividade e a agressões por parte dos comerciantes locais. Na Rua Grande, no centro de São Luís (MA), nem sempre os camelôs conseguem trabalhar com tranquilidade. Por diversas vezes os donos das lojas reclamam da presença desses autônomos alegando que, por eles ficarem nas calçadas, atrapalham a entrada dos clientes nas lojas.
Segundo a antropóloga Adriana Magalhães, integrante do grupo de pesquisa Distúrbio, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é preciso considerar que desde o século XIX os ambulantes estão presentes na paisagem de cidades como o Rio de Janeiro, daí a necessidade de se pensar na precariedade dessa atividade. “Devemos ter cuidado quando vendem a ideia de que está tudo bem se as pessoas que estão perdendo o trabalho formal forem trabalhar como ambulantes. Porque nem todo mundo tem habilidade ou talento para isso”, pondera.
Apesar de estar relacionado ao aumento do desemprego e dificuldades de inserção no mercado de trabalho, atuar como ambulante é para muitos um meio de garantir o sustento da família. Também são esses trabalhadores que ofertam produtos, como comidas típicas, que ajudam a preservar a cultura popular. Em 2016, esse reconhecimento foi dado ao Neri, o vendedor de bananinha, que recebeu da Câmara Municipal a Medalha Manezinho da Ilha Aldírio Simões, entregue a cidadãos nascidos ou estabelecidos em Florianópolis que se destacaram em suas atividades.
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