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Censo 2022 em campo

No Quilombo Maria Joaquina: dia de mobilização nacional para censo inédito no país

Editoria: Séries Especiais | Caio Belandi | Arte: Brisa Gil

05/09/2022 10h00 | Atualizado em 24/01/2023 13h00

  • Destaques

  • Situado em Cabo Frio, a cerca de 170 km da capital do Rio de Janeiro, o quilombo fluminense foi um dos pontos de partida para a inauguração oficial do Censo Demográfico 2022 nas comunidades quilombolas de todo país.
  • “O quilombo vai receber o Censo com muita sinceridade no coração. É importante demais que a gente seja contado!” (Jane, liderança da comunidade)
  • O recenseador João Gabriel de Souza estima que o trabalho de coleta dure cerca de um mês. E comemora a boa receptividade dos moradores.
  • Ao todo no país, serão recenseadas 5.972 localidades quilombolas e 2.308 agrupamentos quilombolas, reunidos em 3.542 setores censitários definidos pela cartografia do IBGE.
Com discursos, música e festa, Comunidade Maria Joaquina recepciona IBGE para dia da Mobilização do Censo Quilombola - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias

“Negro entoou/ Um canto de revolta pelos ares/ No Quilombo dos Palmares/ Onde se refugiou”. Foi com a simbólica música “Canto das Três Raças”, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, eternizada na voz de Clara Nunes há quase 40 anos, que o simples e bem decorado salão da associação dos moradores do Quilombo de Maria Joaquina amanheceu no dia 17 de agosto. Ao som de samba e pagode, a comunidade recebeu representantes do IBGE, equipes de instituições como o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), e os próprios moradores para o Dia de Mobilização do Censo Quilombola.

Situado em Cabo Frio, quase chegando em Armação de Búzios, na Região dos Lagos, a cerca de 170 km da capital do Rio de Janeiro, o quilombo fluminense foi um dos pontos de partida para a inauguração oficial do Censo Demográfico 2022 nas comunidades quilombolas de todo país. A data marcou a apresentação da metodologia da operação censitária nessas áreas a fim de mobilizar a população para responder à pesquisa. Pela primeira vez na história do Censo, o IBGE divulgará resultados específicos para estes territórios. “O que será importante para pautar políticas públicas específicas para este recorte”, explica o gerente técnico do Censo, Luciano Duarte.

A população desses locais terá a possibilidade de se declarar quilombola através da pergunta “você se considera quilombola?”, que será aberta no questionário somente nessas localidades. Caso a resposta seja “Sim”, o sistema abrirá uma segunda questão: “Qual o nome da sua comunidade?” O Censo 2022 mantém uma lista de comunidades pré-registradas no aplicativo, mas será possível acrescentar nomes de comunidades quilombolas que não constem nessa lista.

Com cerca de 80 famílias, coleta domiciliar no Maria Joaquina deve durar um mês

Os cachorros vira-latas brincando nas ruas de terra batida mostram um cenário simples, mas que carrega consigo muita história de luta e resistência. A comunidade quilombola faz parte de um território amplo, formado originalmente pela Fazenda Campos Novos, que abrange ainda os quilombos vizinhos da Rasa e Baía Formosa, em Búzios, e de Botafogo, em Cabo Frio. Os senhores da fazenda teriam recebido pessoas escravizadas mesmo após a proibição do comércio de escravos. A disputa territorial vem da época da colonização: os quilombolas reivindicam a área como uma doação dos padres jesuítas que foram expulsos do local.

O nome Maria Joaquina vem de uma compradora de escravos. Na “Cartografia Social do QUIPEA (Quilombos no Projeto de Educação Ambiental)” que disseca a história e a geografia da comunidade, o território “incorpora a história dos antepassados escravizados ao se apropriar do nome de uma antiga compradora de escravos, para simbolizar a sua resistência na luta pela liberdade”.

Atualmente, cerca de 80 famílias vivem no local, divididas em núcleos. João Gabriel de Souza, recenseador do IBGE na comunidade e morador do bairro José Gonçalves, em Búzios, estima que o trabalho de coleta do Censo 2022 no Maria Joaquina dure cerca de um mês. E comemora a boa receptividade dos moradores. “Já recenseei algumas casas e eles me receberam muito bem”, diz.

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Recenseadores na rua principal da Comunidade Quilombola de Maria Joaquina, em Cabo Frio (RJ) - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Com aparelho DMC nas mãos, recenseadores planejam as tarefas na comunidade - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Recenseadores em frente a um domicilio no Maria Joaquina - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Recenseador João Gabriel, responsável pelo setor, entrevista moradora da comunidade - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Moradora sorri enquanto conversa com Maria Amélia, da equipe do IBGE que ajudou a preparar o Censo nos quilombos - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Rejane de Oliveira, liderança da comunidade, bate um papo com o recenseador - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Rejane segura uma bandeira da Conaq entre Maria Amélia e Luciano Duarte, gerente técnico do Censo 2022 - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Rejane discursa na associação dos moradores do Maria Joaquina - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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Moradores da comunidade, de quilombos vizinhos e a equipe do IBGE durante o evento - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias
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O salão da associação de moradores do Maria Joaquina recebeu o Dia da Mobilização do Censo Quilombola - Foto: Jessica Cândido/Agência IBGE Notícias

Os recenseadores e outros integrantes da equipe do Censo 2022 que atuam em territórios quilombolas passaram por um dia específico de treinamento, onde foram explicados temas como as normativas legais, conceitos, a base territorial, o planejamento, a orientação de condutas e abordagens, além das adaptações metodológicas nos questionários. Também foram distribuídos guias específicos de abordagem e um manual do recenseador para os agentes que vão trabalhar nessas comunidades. Além do mais, há protocolos de saúde como ausência de sintomas de Covid-19, uso de máscaras e álcool em gel.

Para garantir a qualidade da coleta, os recenseadores procuram, primeiramente, as lideranças locais para realizar uma reunião prévia, onde se apresentam e explicam o que é o Censo 2022. Nessa reunião, solicitam o apoio dessas lideranças e dos membros da comunidade para a realização da coleta.

No Maria Joaquina, João terá a ajuda de Clara Oliveira, manicure que atuará como guia na comunidade. O trabalho do guia no Censo 2022 consiste em conduzir com segurança o recenseador por todos os domicílios a serem visitados, indicando as melhores rotas de percurso, os melhores horários para a visita e os códigos de conduta a serem adotados. “A comunidade está aberta ao Censo. Todo mundo considera uma conquista, estamos sendo reconhecidos cada vez mais. Espero colaborar”, vibra.

Rejane Maria de Oliveira, a Jane, principal liderança da comunidade e coordenadora da Conaq, endossa: “O quilombo vai receber o Censo com muita sinceridade no coração. É importante demais que a gente seja contado. Na vacinação [contra a Covid-19], tivemos muitas dificuldades de acessar [a vacina] e dizer quantos éramos”.

O acesso à educação, saneamento e saúde são motivos para o Maria Joaquina esperar ansioso o resultado da pesquisa. “O Censo vem trazer a verdadeira história e a falta de políticas públicas aqui. Vem mostrar o retrato de uma população que cada dia mais luta muito pela política. Vai ser registrada, de fato, a verdadeira situação quilombola no país”, afirma Jane.

De acordo com ela, a pesquisa poderá aumentar a chance de o quilombo conseguir a sonhada titulação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Atualmente, o Maria Joaquina é reconhecido pela Fundação Palmares, mas sua situação fundiária não é regulamentada pelo Incra. O processo corre desde 2013 e a última atualização foi em julho de 2021.

Desafios da cartografia em áreas quilombolas

Um dos grandes desafios do IBGE foi mapear a população quilombola. “Além dos territórios quilombolas oficialmente delimitados, informação que recebemos do Incra e dos institutos estaduais de terra, procuramos retratar também todas as comunidades quilombolas fora desses territórios e todas as localidades onde pode haver população quilombola residindo”, conta Marta Antunes, coordenadora do Censo em Povos e Comunidades Tradicionais.

Ao todo no país, serão recenseadas 5.972 localidades quilombolas e 2.308 agrupamentos quilombolas, reunidos em 3.542 setores censitários definidos pela cartografia do IBGE. Nos territórios oficialmente delimitados, será aplicado majoritariamente o questionário da amostra (77 perguntas), a fim de que seja possível apresentar informações o mais detalhadas possível com dados de educação, trabalho, deficiência, e outras informações que só constam neste questionário.

Maria Amélia Vilanova Neta, geógrafa do IBGE e integrante do Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais do Censo 2022, falou sobre as etapas da preparação para a operação censitária nos territórios quilombolas. A geógrafa ressalta que o IBGE obedeceu à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que explicita a necessidade de povos tradicionais serem consultados antes da realização de medidas administrativas que causem impacto direto, como é o caso do Censo Demográfico.

“Foram feitas quatro grandes consultas a lideranças regionais e locais da Conaq e de outros órgãos que trabalham com a questão quilombola. Foi muito importante poder contar com essas parcerias”, ressalta. Vilanova conta que tanto a construção da pergunta como todo o trabalho a ser feito foram realizados em conjunto com lideranças. “E o Maria Joaquina foi uma das comunidades onde foi feito o teste de questionário em 2017. É um local muito importante neste processo”, diz.

Resultados divulgados ajudarão a unificar informações, diz Conaq

A Conaq espera que os resultados divulgados no Censo 2022 fortaleçam as comunidades quilombolas no processo de normatização do direito às políticas públicas, auxiliando a instituição a obter junto aos órgãos responsáveis a inserção dos quilombolas nas práticas governamentais.

De acordo com o coordenador executivo da Conaq, Antônio Crioulo, atualmente, cada instituição, ministério ou órgão tem uma base de informação diferente sobre a população quilombola. Com o Censo 2022, ele espera que esse número seja unificado.  “Essa proposta de levantamento de informação é extremamente necessária porque não há informações qualificadas e quantificadas sobre a população quilombola no Brasil. Quando o estado reconhece a população, sabe quantas são as famílias, as pessoas, as comunidades, sem dúvida, essa informação será base de sustentação para elaboração das políticas públicas”, espera Crioulo.

“A divulgação dos resultados também será negociada na etapa pós-censo, em reuniões e oficinas nacionais para se chegar aos melhores formatos que atendam à população quilombola”, explica Marta.

Além do Maria Joaquina, participaram do Dia da Mobilização do Censo Quilombola locais nas cinco regiões do país: a Comunidade Quilombola Muquém (AL), o Território Quilombola de Ilha de Maré (BA), o Território Quilombola de Mesquita (GO), a Comunidade Quilombola Soledade (MA), o Território Quilombola Guajará Miri (PA), a Comunidade Quilombola Forte Príncipe da Beira (RO) e o Território Quilombola Alpes (RS). Todas as comunidades estão sendo visitadas por recenseadores uniformizados com colete, crachá e boné. As informações prestadas são sigilosas e possuem finalidade exclusivamente estatística.

Quilombolas fora de territórios poderão avisar ao recenseador

Pessoas que se identificam como quilombolas, mas que residem fora de comunidades ou cujos territórios não tenham sido identificados durante o mapeamento prévio, poderão avisar ao recenseador desta condição. Dessa forma, o IBGE também terá estimativas de subnotificação da população quilombola.