Revista Retratos
Nomes geográficos identificam lugares e ajudam a contar suas histórias
13/03/2019 15h32 | Atualizado em 14/03/2019 08h22
As ruas de calçamento irregular, feito com pedras pé-de-moleque, e o casario colonial do centro histórico de Paraty, município ao sul do estado do Rio de Janeiro, foram palco de uma polêmica encerrada há pouco mais de dez anos: o nome da cidade deveria ser escrito com “y” ou com “i”?
Tudo começou após mudanças nas regras ortográficas da língua portuguesa no Brasil terem determinado a substituição do y por i em palavras como Paraty, que então passou a figurar nos mapas como Parati. Revoltados com a alteração, os paratienses se mobilizaram para que o “y” retomasse seu devido lugar na grafia do nome da cidade, o que ocorreu depois da aprovação de uma lei pela Câmara de Vereadores, em 2007.
A disputa mostra que não é por acaso que uma palavra é escrita e pronunciada de uma ou outra maneira. Cada letra ou fonema traz a marca da tradição e das decisões políticas que determinam os nomes das coisas. Nesse sentido, os nomes dos elementos representados em um mapa podem funcionar como fontes de informação sobre o país. É o que mostram as pesquisas sobre os Nomes Geográficos, ao buscarem a origem e as diversas formas que um nome pode ter para designar um lugar, seja ele uma cidade, rua, rio, relevo ou construções, por exemplo.
Vistos como patrimônios culturais, os nomes das diversas feições geográficas de um território funcionam como verdadeiros “fósseis linguísticos” com várias camadas de história. “O nome geográfico transforma o espaço em lugar, que é o espaço vivido, marcado por emoções e que tem uma história. Quem nomeia está ligando aquele lugar à sua história. Ao recuperar o nome de uma construção, ou mesmo nomeá-la, estamos dando um significado a ela, reconhecendo e atribuindo um valor. Por isso, nunca se pode descartar um nome”, explica Ana Cristina Resende, pesquisadora da Coordenação de Cartografia do IBGE.
Cada nome geográfico é formado pela junção de um nome genérico com um específico. Um exemplo é o “rio São Francisco”, formado pelo genérico “rio” e o específico “São Francisco”. O trabalho do IBGE é cuidar da padronização dos nomes que estão em suas bases cartográficas. Para isso, o instituto segue orientações definidas pelo grupo de especialistas em nome geográficos da Organização das Nações Unidas (ONU). Quando necessário, técnicos vão a campo entrevistar pessoas para esclarecer dúvidas relativas a um nome – quanto à grafia, por exemplo.
Arqueologia dos nomes
No caso de Paraty, uma das argumentações em favor do uso do “y” teve por base a origem indígena da palavra. “Foi percebido que existem várias tonalidades para a pronúncia do 'i' para o indígena. E cada uma delas tem um significado diferente. O ‘y’ é mais próximo à pronúncia que eles usavam para significar algo no território. É como se fosse Paratii, que significa água que corre. Aí o linguista achou por bem utilizar o ‘y’ para representar essa pronúncia, o ‘i’ longo, o ‘i’ dobrado”, esclarece Marcia de Almeida Mathias, técnica aposentada da Coordenação de Cartografia do IBGE.
Quando se trata da grafia de nomes estrangeiros nos mapas produzidos no Brasil, os profissionais responsáveis pela padronização dos nomes geográficos precisam estar atentos às relações políticas internacionais. Assim, grafar ilhas Malvinas ou ilhas Falklands em um mapa da América do Sul, por exemplo, pode ser visto como um sinal de posicionamento favorável do Brasil à Argentina ou à Inglaterra no que diz respeito à disputa dos dois países pela propriedade dessas faixas de terra. De acordo com Ana Cristina, uma opção é usar as duas denominações nos mapas. Mas isto não resolve a polêmica. “O dilema de se colocarem os dois nomes é definir qual virá primeiro. Uma solução parcial é usar uma barra entre eles para dar ideia de simetria, mas qual virá antes? Ordem alfabética não resolve alguns casos, porque pode haver mudanças na tradução”.
Limites imaginários
Outra questão é que, segundo Ana Cristina, para as pessoas os limites de um local geralmente são muito difusos. Daí existirem diferenças entre os limites oficiais (traçados pelo poder público) e os reconhecidos pela população. A pesquisadora percebe essa contradição entre os moradores da Urca, que, em geral, acham que a Urca é um bairro e a praia Vermelha é outro.
“Quem mora lá dentro, no coração da Urca, vai dizer que praia Vermelha é da guarita para fora. No entanto, oficialmente todo o bairro se chama Urca”, esclarece. Para Marli Souza Aguiar da Rocha, que mora na Urca há mais de 40 anos, a praia Vermelha é um bairro diferente do seu: “Muitas pessoas dizem assim para mim: [a Urca] parece cidade do interior. Isso eu já ouvi mais de uma vez. É quase que um anexo de casa. A praia Vermelha não é assim. É mais distante, tem mais trânsito, tem o Círculo Militar, o Pão de Açúcar. [A Urca] é um lugar pequeno, gostoso”.
Todos os nomes
Cada base cartográfica produzida pelo IBGE possui uma lista de nomes geográficos georreferenciados. Segundo Beatriz Pinto, gerente da área de Nomes Geográficos, os últimos mapas lançados foram o do estado do Rio de Janeiro, na escala 1:25.000; do Espírito Santo e Goiás, na escala 1:100.000; e os mapas do Brasil nas escalas 1:1.000.000 e 1:250.000. O instituto também publicou o Glossário de Termos Genéricos relativos aos nomes listados nos mapas na escala 1:1.000.000. Todos esses produtos estão disponíveis na área de downloads do portal do IBGE na internet. Ainda de acordo com a gerente, as diversas informações sobre os nomes geográficos estão sendo reunidas em um banco de dados. A expectativa é que esse banco possua cada vez mais nomes para que, no futuro, ele possa ser disponibilizado para o usuário externo.
Leia a matéria completa na revista Retratos nº 16.