Constituição Cidadã: 30 anos depois
Desafios do mercado de trabalho alimentam debate sobre direitos
06/12/2018 16h10 | Atualizado em 06/12/2018 16h12
Um dos temas mais importantes da Constituição Federal que completou 30 anos em 2018, o direito ao trabalho de qualidade é abordado em diversos pontos da Carta Magna brasileira. A relevância do tema é tanta que uma das questões mais discutidas atualmente é a reforma trabalhista. Hoje, o desafio é manter a proteção ao trabalhador sem deixar de criar os empregos necessários para reduzir a taxa de desocupação do país.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
Coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo lembra o caráter social do texto aprovado em 1988, e ressalta o esforço coletivo para reduzir a desigualdade: “A Constituição Cidadã veio para dar condições de exercermos a cidadania. Um pouco depois dela, a OIT [Organização Internacional do Trabalho] começou com a luta pelo trabalho decente, aquele realizado em condições de liberdade, equidade. Isso é fundamental para a superação da pobreza, redução da desigualdade e governabilidade democrática”, explica.
“Esse processo [de formulação da Constituição] foi um esforço muito grande numa das constituições que melhor protege o trabalhador e o trabalho digno. Ela surge num momento de resgate da democracia, o país havia acabado de sair de um regime militar. Ali, veio uma garantia dos direitos”, esclarece Cimar.
Segundo o técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sandro Pereira, existiram três momentos distintos em relação ao mercado de trabalho após a Constituição de 1988: “O primeiro deles ocorreu ao longo da década de 1990 e começo dos anos 2000, com fortalecimento da flexibilização. Em 1989, chegamos a ter 24,5 milhões de trabalhadores formais, e só voltamos ao mesmo nível em 1999, quando chegamos a 24,9 milhões. Enquanto isso, tivemos a população economicamente ativa aumentando mais de 30%. Emergiu a informalidade, que passou a ser uma questão maior”.
O técnico do Ipea lembra que, a partir de 2004, o crescimento econômico permitiu que os postos de trabalho fossem criados sem grandes mudanças no texto constitucional, inclusive com o acréscimo de direitos aos trabalhadores domésticos e aumentos no salário mínimo.
“De 2004 a 2013, houve uma média de 1,9 milhão por ano de saldo de postos de trabalho. Nesse período, não houve praticamente nenhuma mudança no regime trabalhista. Ouvimos expressões como ‘apagão de mão de obra’ e ‘pleno emprego’. Em 2014, tivemos o pico de trabalhadores formais, com 49,5 milhões”, recorda Pereira.
O cenário econômico negativo a partir de 2015, entretanto, e as políticas de austeridade que vieram com ele motivaram uma nova discussão sobre os direitos trabalhistas e sua flexibilização. “Em 2016, o PIB caiu com a mesma intensidade e houve uma nova baixa de 2 milhões de empregos”, explica Pereira. Para combater essa tendência de perda de postos de trabalho, a reforma trabalhista foi aprovada em 2017. “O eixo paradigmático da reforma foi a flexibilização. A maior mudança na legislação trabalhista desde a CLT”, complementa.
Precarização do mercado de trabalho
Ainda no contexto mais recente, Cimar vê um cenário de precarização do mercado de trabalho nos últimos anos, com crescente informalidade. “É reflexo de uma crise econômica. É um mercado precário, com grande parte na informalidade, no subemprego. Uma parte expressiva desocupada, totalizando 27 milhões de pessoas subutilizadas. Fica muito difícil você prever o que vai acontecer no futuro em função das mudanças”, analisa.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), coordenada por Cimar, acompanha o mercado de trabalho e gera uma série de indicadores para medir o nível de formalidade nos âmbitos público e privados. “Além do trabalhador, a pesquisa levanta informações das pessoas que estão fora do mercado ou subutilizadas”, lembra. “Hoje é uma das pesquisas mais atualizadas do mundo, mas temos que seguir atentos a essas mudanças”, conclui.
O desalento no mercado de trabalho
Uma das variáveis acompanhadas pela PNAD Contínua em termos de subutilização é a população de desalentados, aqueles que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém não procuraram oportunidades por acharem que não as encontrariam.
Formado em comunicação, Pedro Câmara, de 29 anos, passou por essa situação por 15 meses até voltar ao mercado de trabalho em 2018. “O mercado na minha área estava horrível. Pensei em estudar, mas é difícil investir quando se tem apenas as economias, rescisão e FGTS para pagar as contas”, lembra Pedro.
Após se recuperar de um problema de saúde, ele finalmente conseguiu voltar ao mercado: “Não adiantava continuar buscando empregos que não existiam ou aceitar piores. Procurei tratamento, passei por uma cirurgia de recuperação e, após seis meses, o mercado melhorou e consegui um emprego em melhores condições do que as que tinha antes”, completa.
Mesmo com a melhora que permitiu a volta de Pedro ao mercado, o momento ainda é de cautela. “Estamos num cenário bastante incerto ainda, porque a nossa economia não tem caído, mas também tem crescido muito pouco. Estima-se que só chegaremos no patamar pré-crise em 2021 ou 2022, o que reflete no mercado de trabalho”, projeta o pesquisador do Ipea.