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Censo Agro vai a comunidades afastadas e dá visibilidade a povos indígenas

Editoria: Séries Especiais | Rodrigo Paradella | Arte: Helena Pontes

26/02/2018 09h00 | Atualizado em 24/01/2020 13h56

Nem só fazendas tradicionais ou latifúndios compõem o Censo Agro 2017. Além dos produtores agropecuários habituais, o levantamento visita também povos indígenas que vivem praticamente isolados do restante da sociedade. Como nas terras Yanomami, localizadas em Roraima e no Amazonas, a produção desses povos costuma ser em pequena escala e pouco significativa economicamente, mas tem grande importância social. Lá, até mesmo o idioma é uma barreira para os recenseadores.

A Terra Indígena Yanomami foi homologada em 1992, mas nem todas as cerca de 200 comunidades estão acostumadas a ter contato direto com o mundo externo. Por isso, em muitos casos, poucos são os que falam português, além de existirem outras questões culturais que dificultam a coleta de dados para o Censo, como entender medidas de tempo, quantidade e área.


O cultivo da mandioca é comum entre os indígenas

“Eles têm dificuldade para entender a nossa lógica de produção agrícola. A questão da área é um problema para nós, que precisamos comprar terra. Para eles, não, porque eles têm todo o espaço para plantar”, explica o coordenador da subárea do IBGE no município de Alto Alegre (RR), Eduardo Frigerio.

“A questão do tempo também é complicada. Temos que adaptar, perguntando, por exemplo, se aquele produto é plantado sempre, se é só no inverno, só no verão. Tentamos vincular com a chuva, com a seca. Eles não têm uma noção de ano, só de semanas, dias e meses”, continua Frigerio.  “Mas somos bem recebidos, mesmo tendo a barreira da língua. Sempre tem alguém que fala português para ajudar”.

Difícil acesso

Na visita às comunidades, porém, não basta somente boa vontade para entender as diferenças. Muitas delas ficam em locais de difícil acesso, com a necessidade de voos ou barcos fretados, além de uma estrutura de comunicação e alojamento bastante limitada, com deslocamentos que podem demorar dias ou até mesmo semanas. Além disso, o histórico regional muitas vezes é de conflito entre indígenas e não indígenas, o que pede um maior cuidado por parte dos agentes do IBGE.

“Precisamos de guias-intérpretes, precisamos da ajuda da Funai (Fundação Nacional do Índio), precisamos de toda uma negociação política para esclarecer para as lideranças o que estamos fazendo, para que o Censo Agropecuário serve etc”, explica a antropóloga responsável pelo Grupo de Trabalho para Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes. “Visitamos os povos de contato recente, mas não as isoladas, porque povos que decidem pelo isolamento não entramos em contato. O IBGE respeita como direito deles”, ressalta.

Este grupo de trabalho foi reunido justamente para a inclusão de povos como os Yanomami, com características culturais diferentes da maior parte da população brasileira. “O grupo existe para qualificar o IBGE no tratamento dessas populações nas estatísticas oficiais. Ele surge para dar continuidade ao tema indígena, que avançou bastante no Censo Demográfico 2010, para em seguida avançar nas outras comunidades tradicionais”, explica Marta. Incluídos os indígenas, os quilombolas, os ciganos, entre outros, são 28 povos tradicionais definidos pelo Decreto 8.750, de 2016.


Embarcações são forma de acesso a locais isolados nas Terras Yanomami

Além da Funai, a Sesai (Secretária Especial de Saúde Indígena) também tem papel importante nas missões do Censo Agro nas aldeias. O órgão do Ministério da Saúde apoia a operação com a questão logística e até mesmo com a aproximação com as comunidades. “A Sesai se comunica com os postos de saúde nas aldeias por rádio. Quando fechamos a missão, vamos à Sesai avisar os postos por rádio e eles que avisam os líderes indígenas da nossa viagem”, conta Frigerio. “Como eles têm contato constante com os índios, conseguem nos dar credibilidade também”, explica.

Em outros tempos, a coleta em populações indígenas já chegou a ser feita inteiramente por rádio, sem o deslocamento ao local. “Chegávamos em muitas dessas etnias, mas não fazíamos de uma forma padronizada e preparada como estamos fazendo agora”, ressalta Eduardo.


Em voos fretados, as equipes do Censo Agro chegam a comunidades afastadas

Visibilidade social

Além de instrumento para o planejamento econômico, o Censo Agro tem inegável papel social, sobretudo na criação de políticas públicas para diferentes setores da população e ao reconhecer esses diferentes grupos. No caso dos indígenas, assim como dos quilombolas, isso fica ainda mais evidente.

“Temos que considerar as comunidades assim como consideramos o que qualquer brasileiro produz, independentemente de ser indígena, de produzir pouco. Temos que mostrar todos os brasileiros. Se fosse só pela produção, pelo aspecto econômico, poderíamos usar as outras pesquisas que já fazemos, como a PAM (Pesquisa Agrícola Municipal) e a PPM (Pesquisa Pecuária Municipal)”, explica o gerente técnico do Censo Agro, Antônio Florido. “Não podemos simplesmente não fazer porque é caro ou distante”.

Segundo Florido, mesmo com pouco impacto na produção agropecuária nacional, é relevante traçar um perfil da vida indígena no Brasil. Por isso, o planejamento do Censo Agro prevê uma publicação inteiramente dedicada a essas populações.

“Eles produzem mais para consumo próprio: mandioca, bovinos etc. Vivem de pesca, extração vegetal. Não é algo importante economicamente, mas é importante no aspecto social. Na realidade, não só os territórios indígenas, mas também os quilombolas e outras comunidades tradicionais”, conclui Florido.


As aldeias de pouco contato produzem alimentos para subsistência