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Memória

LSPA: há 50 anos contando a história da agricultura brasileira

Editoria: IBGE | Carmen Nery | Arte: Helena Pontes e Jessica Cândido

13/04/2023 10h00 | Atualizado em 13/04/2023 12h28

Implantado em novembro de 1972, o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) iniciou sua série histórica em 1975, quando o Brasil produzia 39,4 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas. No ano passado, foram produzidos 263,2 milhões de toneladas, e, para 2023, a estimativa é de uma produção de 298,0 milhões de toneladas.

“A história do LSPA é a história da agricultura brasileira”, ressalta Carlos Barradas, que ingressou no IBGE em 2010 e, já no ano seguinte, passou a participar do LSPA até assumir a gerência, há sete anos. Ele conta que, inicialmente, a pesquisa apurava muitos produtos de pouca expressão econômica, mas em 2016, foi introduzida a linha de corte de se avaliarem produtos que respondiam pelo menos por 1% do valor de produção. “A partir daí, pudemos acompanhar melhor os principais produtos da agricultura brasileira”, explica o gerente do LSPA.

Rede de informantes garante a capilaridade nacional

Para a coleta, o LSPA mantém uma rede de informantes por meio das agências do IBGE, que contam com a colaboração de secretarias de agricultura, sindicatos rurais, cooperativas, grandes produtores e pessoas que conhecem o setor agrícola no município. São feitas reuniões periódicas, as Reagros, em que se debatem as informações que o IBGE tem.

Carlos Alfredo Guedes, que completa 20 anos no IBGE onde atualmente é gerente de agricultura, diz que o órgão tem a vantagem de manter dados históricos.   A área plantada dos produtos não aumenta tanto de um ano para o outro. O levantamento é iniciado nos primeiros meses do ano aproveitando-se o histórico do município: qual a produtividade média, qual a área plantada na região para o determinado produto. Os informantes apresentam a previsão de aumento da área, a valorização do produto no mercado – o que deve levar os produtores a usar mais adubos ou melhorar as culturas, ou, ao contrário, se o preço não está bom, é provável que se aumente a área de outra cultura.

“Tudo isso é discutido nessas reuniões municipais. Os técnicos do IBGE coletam os dados por meio dos questionários, digitam nos sistemas, e, para consolidar os dados, as informações passam pelas críticas dos supervisores estaduais, nas reuniões de cada estado, de que participam a secretaria de agricultura, a Emater e órgãos de economia agrícola. Depois, os analistas da sede no Rio de Janeiro fazem o fechamento. A apuração é rápida. Este ano, fechamos o mês em 28 de fevereiro e, em 9 de março, já estávamos divulgando”, explica Guedes.

A formação da mão de obra é um desafio, sobretudo porque a metodologia é subjetiva, exigindo grande conhecimento por parte dos que trabalham na coleta e na análise. Barradas explica que é difícil dizer quantas pessoas estão envolvidas na coleta de dados para o LSPA, pois cada agência do IBGE (atualmente são 566 agências) tem um contingente de agentes, além dos informantes parceiros. Pedro Andrade de Oliveira, supervisor de agropecuária do Piauí, diz que há rotatividade dos Agentes de Pesquisa e Mapeamento - APMs, temporários admitidos por processo seletivo público. “Incentivamos todos que entram na casa a fazer o treinamento, nem que seja remoto”, diz Oliveira.

“Os técnicos varrem os municípios, e cada um tem uma quantidade enorme de informantes formando uma rede nacional. Nenhuma instituição tem essa capilaridade para o levantamento das safras.  A agricultura brasileira é extremamente dinâmica e cresceu muito. O LSPA conta a história da evolução das produções de soja, milho, arroz, feijão, algodão. O Brasil é um dos mais evoluídos do mundo em termos de produção agrícola e um dos poucos que ainda dispõem de área e muita água, devendo se consolidar como o principal produtor de alimentos do mundo”, reitera Barradas.

Carlos Alfredo Gedes, gerente de Agricultura
Carlos Barradas, gerente do LSPA
Jorge Mryczka, supervisor de Agropecuária do Paraná
Pedro Nessi Snizek Junior, supervisor de Agropecuária de Mato Grosso
Pedro Andrade de Oliveira, supervisor de Agricultura do Piauí
Neuton Rocha, ex-gerente do LSPA
José Garcia Gasques, coordenador geral de políticas públicas do Ministério da Agricultura e Pecuária

Transformações das fronteiras agrícolas foram retratadas pelo LSPA

Jorge Mryczka, supervisor de agropecuária do Paraná, ingressou no IBGE em junho de 1979 atuando na área. Antes, já era envolvido com o LSPA como usuário e informante. Para ele, o LSPA é vitorioso porque é construído pela rede de especialistas e mostra a situação mais real do campo.

“O LSPA usa uma metodologia subjetiva, mas é construído com informações de produtores, técnicos, agrônomos, veterinários e financiadores, que conhecem a realidade do campo. Para isso, obtêm informações de área financiada, utilização de fertilizantes e sementes, e dados de colheita, comercialização e exportação”, elenca Mryczka.

Ele conta que, quando ingressou na pesquisa, o Paraná era o maior produtor nacional de grãos, e hoje, mesmo tendo menos de 3% do território do país, ainda é o segundo maior produtor. Entre as principais culturas, está o feijão, de que o estado é o maior produtor. Embora a área cultivada tenha sido reduzida pela metade nos últimos anos, a produtividade do feijão triplicou em função do emprego das novas tecnologias. Houve também um avanço considerável na cultura do milho, que cresceu 50% em área e cuja produtividade quase quadruplicou, em função de novas técnicas e cultivares.

“Hoje a maior área cultivada é a de soja, que passou de 1,3 milhão de hectares para 5,8 milhões de hectares, aumento de 300%. Em 2023, estamos esperando uma safra de recorde de 21,0 milhões de toneladas. A produtividade dobrou em função de novas tecnologias, variedades e métodos de cultivo. A cultura do trigo também dobrou a produtividade”, elenca o supervisor do Paraná.

Mas houve, também, produtos que deixaram de ser cultivados como o algodão, que chegou a ocupar acima de 700 mil hectares do Paraná. Hoje não existe mais plantação de algodão no estado, tendo migrado para o Centro-Oeste. O Paraná também foi o maior produtor de café até 1975, ocupando 1 milhão de hectares, mas houve a geada negra, que dizimou todos os cafezais, e essa cultura migrou para Minas Gerais e Espírito Santo. “Essas culturas demandavam muita mão de obra, e o pouco que sobrou já é mecanizado. Pudemos acompanhar todas essas transformações ao longo desses 44 anos”, ressalta Mryczka.

O coordenador de Estatísticas Agropecuárias do IBGE, Octavio Costa de Oliveira, comenta no minuto IBGE sobre a expansão das lavouras ao longo dos anos.

Soja consolida agricultura comercial brasileira

A consolidação da agricultura comercial no país deve-se, principalmente, à soja. O produto também foi o maior responsável pela aceleração da mecanização nas lavouras, pela modernização dos transportes, pela expansão da fronteira agrícola e pelo incremento do comércio internacional. Contribuiu ainda para a modificação da dieta alimentar da população, a interiorização da urbanização e o povoamento do Cerrado.

A soja foi introduzida no Brasil ainda no século 19, porém, o produto iniciou forte expansão a partir de 1973, com a quebra da safra norte-americana. Esse cenário gerou oportunidade para o desenvolvimento de uma nova fronteira agrícola no país, por meio do cultivo da soja no Cerrado do Centro-Oeste. Em 1979, a produção nacional batia a marca de 15,0 milhões de toneladas. Dos anos 1970 a 2011, a cultura da soja foi a que mais cresceu no país, especialmente no Centro-Oeste, onde a produção passou de 500 mil toneladas em 1970 para 44,8 milhões de toneladas em 2011; enquanto, no Sul, o crescimento foi menos expressivo.

Em 2022, a soja atingiu uma estimativa de produção de 119,5 milhões de toneladas, devendo chegar a 145,0 milhões de toneladas em 2023. O avanço do cultivo da soja no Brasil acompanhou o crescimento da demanda internacional, especialmente da China, que se tornou o maior importador da oleaginosa brasileira no final dos anos 1990. Atualmente, o complexo soja é o principal item das exportações brasileiras.

“Essa alta histórica expressiva deve-se muito à migração dos agricultores do Sul para o Centro-Oeste, e hoje o Mato Grosso é o maior produtor. A partir dos anos 2000, começou a expansão para o Matopiba, onde a produção cresceu bastante, desde então”, completa Guedes.

Pedro Nessi Snizek Junior, supervisor de agropecuária de Mato Grosso, ingressou no IBGE em 2002 já lotado na área de pesquisa agropecuária, cuja supervisão assumiu em 2009. Ele conta que a cultura de soja na região foi iniciada no município de Dourado, hoje pertencente a Mato Grosso do Sul, a partir do desenvolvimento de novas variedades pela Embrapa. Isso porque os agricultores gaúchos, catarinenses e paranaenses que migraram para a região levaram variedades do Sul do país que nasciam, brotavam vagens, mas não produziam nada. A Embrapa começou a produzir novas variedades, e a soja ganhou força a partir de 1986.

“Hoje o Mato Grosso produz de 9% a 10% da soja do mundo. Se o estado fosse um país, seria o terceiro ou quarto maior produtor. Temos municípios muito representativos, como Sorriso, Campo Novo dos Parecis, Sapezal, Querência e Nova Ibiratã. O Mato Grosso responde por 30% da produção nacional de soja, e isso se deve ao desenvolvimento tecnológico da década de 1970, ao grande fluxo migratório nos anos 1980 e à mecanização dos anos 1990. Esses produtores vendiam uma área de 50 hectares no Sul e compravam outra de mil hectares no Mato Grosso, desbravando a região. Em 2022, o estado respondeu por uma produção de 38,3 milhões de toneladas; em 2023, estima-se uma produção de 44,0 milhões de toneladas”, analisa Snizek Jr.

Já na nova fronteira agrícola, o Matopiba, a produção cresce em torno de 10% ao ano. Atualmente, o agronegócio representa 90% da produção de grãos do Piauí, segundo Pedro Andrade de Oliveira, supervisor de agropecuária do estado. Ele ingressou no IBGE há 45 anos, em julho de 1978, atuando na rede de coleta, incluindo a apuração dos dados do LSPA, que tinha sido criado havia seis anos. A partir de 1991, passou a atuar como supervisor da pesquisa. Nesses 30 anos, vem acompanhando o trabalho das cerca de cinco reuniões anuais em todos os 224 municípios do estado para o acompanhamento da produção agrícola. 

“Como estamos no semiárido, as condições de produção do Piauí e do Nordeste são dificultadas em função das intempéries climáticas, pois, nessas áreas, a regra é faltar chuva. Quando há um período bom, como nos últimos três anos, as safras têm se sobressaído. A característica da agricultura local é familiar, mas, na década de 1990, começaram a chegar os primeiros grandes produtores, inicialmente para o plantio de arroz, que depois migraram para a soja. Tivemos o privilégio de acompanhar essa transição. Visitamos esses produtores pelo menos uma vez ao ano, sem deixar de ter o olhar para a agricultura familiar nas reuniões com os sindicatos, secretarias de agricultura e os órgãos financiadores”, destaca o supervisor de agricultura do Piauí. 

Melhoramento vegetal permitiu expansão agrícola em todo o país

Vários fatores contribuíram para o crescimento da produção agrícola brasileira. Entre eles, estão incentivos governamentais, melhorias nas técnicas agrícolas, mercado internacional em alta e significativa substituição das gorduras animais tradicionalmente usadas na alimentação das pessoas por óleos vegetais. Soma-se ainda o desenvolvimento de um grande parque industrial para produção de insumos e processamento dos grãos, criação de uma rede de cooperativas, melhorias no sistema de transportes e avanços nas pesquisas científicas a partir da criação da Embrapa. A estatal de pesquisa agropecuária desenvolveu sementes mais propícias às condições do solo brasileiro, abrindo caminho para o cultivo chegar às áreas do Cerrado.

“A Embrapa foi importante porque havia muitas limitações de solo no Centro-Oeste, e a empresa desenvolveu variedades que se adaptaram bem. O avanço tecnológico permitiu que o Brasil colhesse três safras no ano, algo inédito no mundo. Isso se deve ao melhoramento vegetal e à redução do ciclo de produção. As novas variedades podem ser plantadas e colhidas em menos tempo e em maior quantidade. E há o casamento entre as diferentes culturas, que se sucedem: colhe a soja, planta o milho. Os custos de produção da soja brasileira são menores que os da americana, uma vez que paralelamente ao melhoramento genético das variedades desenvolvemos também a fixação biológica do nitrogênio. Em 2020, nos tornamos o maior produtor mundial”, destaca Barradas.

Plantio direto favoreceu e deu velocidade às lavouras

Alfredo Guedes destaca o desenvolvimento nacional da técnica do plantio direto, por meio de máquinas que fazem o plantio sem precisar revolver o solo. Isso favoreceu e deu velocidade às lavouras brasileiras. Os produtores plantam a soja em outubro e colhem no primeiro semestre, e, rapidamente depois da colheita, plantam o milho.

“O plantio direto é uma forma de proteger o solo, mantendo a palhada da cultura anterior para proteger a terra e fazer a ciclagem de nutrientes, que são aproveitados na cultura seguinte. A mecanização também avançou. No início, eram máquinas de seis linhas, hoje há maquinário de 36 linhas. O investimento é grande, essas máquinas são caras, mas os produtores têm muitas áreas e são capitalizados para adquirir esses equipamentos. A agricultura familiar também evoluiu, adotando a mecanização para plantar e colher, e organizando-se em cooperativas. O agro evoluiu tanto entre os grandes quanto entre os pequenos produtores”, avalia Guedes.

Com o avanço tecnológico, o perfil profissional também mudou. A figura do trabalhador do campo colhendo manualmente foi substituída por operadores de máquinas. O êxodo rural também contribuiu para a mudança, muitas pessoas foram para as cidades em busca de melhores condições de trabalho.

“Começou a declinar o número de pessoas que querem trabalhar no campo; muitas vezes, os filhos dos produtores não querem ficar. A falta de mão de obra é um problema, e muitos produtores trocam a mão de obra braçal pelas máquinas. Algumas culturas, como a do café, ainda precisam de muita mão de obra, assim como as áreas em que os equipamentos não podem chegar”, completa Guedes.

Da mecanização à transformação digital

Após o avanço da mecanização, a nova revolução tecnológica é a agricultura de precisão por meio da transformação digital do campo com novos recursos como drones, internet das coisas (sensores conectados para monitorar diferentes aspectos das culturas), imagens de satélite.

“Hoje toda a população está conectada via celular, e os produtores não são diferentes. Eles avançaram muito com técnicas de sensoriamento remoto, imagens de satélites, utilização de drones para identificar locais onde há doenças ou para fazer aplicação de produtos. Além de controles de pragas e fitodoenças por inimigos naturais, a análise de solo, feita em laboratórios, já permite a distribuição do adubo nos locais exatos onde ele é necessário”, enumera Guedes.

As novas tecnologias digitais trouxeram outros desafios, como a necessidade de conectividade no campo, que começa a ser endereçado com a instalação de redes móveis 4G e, em breve, 5G. “A agricultura de precisão é tecnologia pura. A evolução tecnológica começou com o plantio direto, que dispensa o trabalho de arar e gradear a terra, mantendo a estrutura original do solo, o que minimiza os problemas de erosão, além de reduzir os gastos com energia, tempo e trabalho”, ressalta Barradas.

As novas fronteiras agrícolas também trouxeram desafios logísticos, que estão sendo superados pelas novas rotas de exportação pelos portos do Arco Norte, acabando com a necessidade de transportar a produção por até dois mil quilômetros de estrada até os portos de Santos, no Sudeste, e Paranaguá, no Sul.

Pedro Andrade de Oliveira, supervisor de agricultura do Piauí, informa que atualmente a produção local é escoada pelo modal rodoviário até os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco. Para ele, o que ainda precisa evoluir é a produção da agricultura familiar. 

“Por mais esforços que os governos realizem para incentivar a agricultura familiar, ela não consegue deslanchar. O que se produzia há 30 anos é o mesmo que se produz hoje. A própria produção agrícola do Piauí foi para o agronegócio”, diz Oliveira.

Agricultura brasileira pode crescer sem degradar o meio ambiente

Há quem considere que a expansão da soja no Brasil veio associada a uma série de impactos negativos para o meio ambiente e a sociedade, incluindo altos índices de desmatamento, concentração fundiária e prejuízos à agricultura familiar. Para Barradas, é possível conciliar o crescimento agrícola com a preservação ambiental.

“O caminho da produção brasileira é crescer cada vez mais sem que seja necessário desmatar áreas ou degradar o meio ambiente. Ainda dispomos de muitas áreas de pastagens mal aproveitadas, que podem ser úteis para a agricultura. Não precisamos retirar matas e danificar a natureza. A marca da nossa agricultura é a tecnologia, o aumento de área é irrelevante comparado com o aumento da produtividade. Quando me formei, a produtividade do milho era de três toneladas por hectare, hoje é de 11 toneladas; a de soja era de duas toneladas por hectare, hoje são quatro. O Brasil já produz alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas e tem vantagens climáticas e tecnologia. A evolução da agricultura brasileira é natural, o mundo exige que o país produza alimentos”, considera Barradas, gerente do LSPA.

Desde sua fundação, o IBGE pesquisa a agricultura brasileira

O IBGE pesquisa a agricultura brasileira desde 1938, quando realizou uma primeira coleta de dados, em nível nacional, empregando um único método subjetivo de estimativas.  Elas eram realizadas ao final de cada ano civil, tendo por base os dados da produção agrícola da última safra. A partir de 1944, o inquérito passou a ser realizado trimestralmente, sendo as estimativas referentes às colheitas terminadas no trimestre e a previsão para a safra em curso.  

Em 1962, o Ministério da Agricultura instituía o Serviço de Previsão de Safras – SPS, que, em 1964, iniciou suas atividades testando cadastros do Imposto Territorial e do Censo Agropecuário. Com base em estimativas subjetivas, o levantamento abrangia 16 produtos e ocorria em 21 estados, sendo feitas previsões de safra na época de plantio, colheita e entressafra. Em 1966, o ministério propôs uma pesquisa experimental por amostragem. Em 1969, foi elaborado o Plano Nacional de Estatística Agropecuária determinando serem necessários, na área técnica, a intensificação e o emprego do método amostral.

Em 1972, buscou-se a substituição paulatina dos levantamentos subjetivos, em nível municipal, por um novo sistema de estatísticas por amostra probabilística (em nível de produtor). Essa substituição progressiva não ocorreu, e, como consequência, o IBGE implantou o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola – LSPA. O levantamento completou 50 anos em 2022 e, ao longo desse meio século, vem retratando a evolução da produção agrícola nacional.

“O LSPA foi criado em 1972, quando o Brasil passava por uma situação complicada na área estatística. Desde 1938, o IBGE coletava as informações, mas quem divulgava era o Ministério da Agricultura”, diz Carlos Alfredo Guedes, que completa 20 anos no IBGE e atualmente é gerente de agricultura.

Esse modelo permaneceu até o início de 1970, quando as estatísticas passaram a ser coletadas, apuradas e divulgadas pelo IBGE. Para isso, era necessária uma pesquisa que fizesse o acompanhamento mensal da agricultura, o que deu origem ao LSPA, que utiliza uma metodologia subjetiva adotada também em outros países.

“No início, levantavam-se poucos produtos, em torno de 12, e depois chegou-se a pesquisar até 36 produtos. Nos últimos anos, fizemos uma revisão e chegamos a 25 produtos divulgados. São os principais itens, aqueles com o maior valor de produção da agricultura brasileira – soja, milho, feijão, algodão, arroz, cana-de-açúcar, café, laranja, entre outros”, conta Guedes.

“É difícil no Brasil uma pesquisa chegar a 50 anos. A melhor resposta vem do mercado.”

Neuton Rocha entrou no IBGE em 1977 e acumulou 30 anos atuando nas pesquisas agropecuárias. Ele conta que pouco antes houve a criação da Cepagro, (Comissão Especial de Planejamento, Controle e Avaliação das Estatísticas Agropecuárias), desenho inicial do LSPA, em 1972; do Deagro (Departamento de Agropecuária), que centraliza as informações e criou o LSPA, em abril de 1973; além das Comeas, reuniões nos municípios.

“No início, era muito difícil obter a informação no município. Destaco nomes importantes para a pesquisa como Manoel Monteiro, Raul Ehlers, Calos Lauria, Flavio Pinto, Noel, Elvio Valente, Paulo Renato, Roberto Augusto, Claudio Peixoto, Teresinha, Tadeu, Teresa, Octávio Oliveira”, lembra Rocha.

“Naquela época, existiam poucos dados estatísticos agropecuários e pecuários. Havia uma exigência da sociedade por dados conjunturais mensais de área, produção e produtividade das principais culturas como milho, arroz, feijão, algodão e a soja dando seus primeiros passos no início dos anos 1970”, destaca Rocha.

Ele diz que o LSPA foi o responsável pela criação de grupos de estatísticas agropecuárias e envolve um sistema complexo com diferentes grupos de trabalho nos estados e municípios.

“É preciso ter um jogo de cintura para trazer todos para essas reuniões. Apesar de todas as dificuldades, o LSPA vem sobrevivendo nesses 50 anos. Se você quiser conhecer a agricultura brasileira nesse período, tenha paciência e pesquise as atas dessas reuniões. Todo mês, sistematicamente, são gerados dados nesse acervo da agricultura nacional”, sugere Rocha.

Em 1973, além da criação do LSPA, houve a criação da Embrapa, a empresa de pesquisa agropecuária do país. Construindo-se um paralelo entre a criação da pesquisa e da Embrapa, tem-se toda a evolução da agricultura brasileira, por meio de novas técnicas como o plantio direto.

“Hoje essa prática se irradiou para todas as espécies de grãos em todo o país. Na década de 1970, quando se iniciou o plantio de soja, a produtividade era de pouco mais de 1 mil Kg por hectare; com os avanços proporcionados e novas variedades criadas pela Embrapa, hoje a produtividade média é de 3,6 mil Kg por hectare. Há 20 anos, queríamos comemorar a meta de 100 milhões de toneladas. A estimativa para 2023 é de quase 300 milhões de toneladas de grãos e não tem mais como parar. Se cruzarmos as curvas de área com a de produtividade, podemos ver que a de área quase não se altera e a de produtividade avança”, ressalta Rocha.

Para os críticos do método subjetivo e repetição de dados, ele destaca o desafio de se reunir, mensalmente, especialistas e pessoas envolvidas com a agricultura, em todos os municípios do país para se produzir uma informação consensual.

“Dessas reuniões se extrai um consenso da produção do mês. Como é um dado consensual, o LSPA não mede o erro. Mas não há pesquisa como o LSPA, resistindo há 50 anos. É difícil no Brasil uma pesquisa chegar a 50 anos. A melhor resposta vem do mercado. Se o erro for grande ou pequeno, o mercado não aceita; e o mercado nunca se manifestou tanto sobre esse dado. Isso porque, quando a soja geme aqui no Brasil, a bolsa de Chicago já acordou há muito tempo. Quando o café geme no Brasil, a Bolsa de Londres já acordou há muito tempo”, alerta Rocha para a comoditização e globalização da comercialização do agronegócio.

“As pessoas que trabalham no LSPA são técnicos de excelente nível e muito criteriosos, o que confere qualidade à informação.”

José Garcia Gasques, coordenador geral de políticas públicas do Ministério da Agricultura e Pecuária, é um dos antigos usuários do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), inicialmente no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e, posteriormente, cedido ao Ministério da Agricultura e Agropecuária para iniciar o trabalho de projeções de longo prazo e onde atua até hoje como coordenador geral de políticas públicas. Ele conta que nas reuniões da Cepagro o LSPA já era utilizado como material básico.

“Temos uma relação muito forte com o LSPA porque tenho sido usuário da pesquisa, que vivenciou mudanças muito grandes na agricultura brasileira, como a criação da Embrapa no início dos anos 1970, e seu crescimento. A pesquisa é importante porque é um levantamento periódico e pontual com um número grande de produtos de lavouras permanentes e temporárias”, diz Gasques.

Ele conta que o Ministério utiliza o LSPA em várias outras pesquisas como o cálculo mensal do valor bruto da produção agropecuária o VBP, que investiga lavouras e itens da agropecuária. A combinação das informações do LSPA e das pesquisas anuais, como a PAM (Produção Agrícola Municipal), e a PPM- Pesquisa da Pecuária Municipal, permitem obter outro importante indicador que é a Produtividade total dos Fatores (PTF).

“O índice de Produtividade Total de Fatores é muito relevante porque permite que sejam feitas comparações internacionais de produtividade, o que por outro indicador seria muito difícil de calcular. Atualmente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) está procurando fazer combinações entre os fatores tradicionais, que são usados no cálculo da produtividade, com fatores de sustentabilidade, como erosão e mudanças climáticas”, destaca Gasques.

Ele observa que quando saem as pesquisas trimestrais do PIB - Produto Interno Bruto, as análises sobre o setor agropecuário têm por base o LSPA. “Usamos essas análises para identificar as lavouras que têm mais contribuição nas contas nacionais. Também usamos o LSPA em projeções de longo prazo, que utilizam modelos econométricos. Como são analisados quase 30 produtos, o LSPA e pesquisas da CONAB servem de base para a seleção desses produtos”, completa o coordenador de políticas públicas do Ministério da Agricultura.

Ele diz que a informação subjetiva é prática e rápida e as diferenças entre os dados observados e os levantados em geral são pequenas, a não ser quando ocorre um fato extraordinário como eventos climáticos, que podem afastar o dado da média. “As pessoas que trabalham no LSPA nos escritórios estaduais do IBGE são técnicos de excelente nível e muito criteriosos, o que confere qualidade à informação”, conclui Gasques.