Censo Agropecuário
Pretos ou pardos são minoria na direção de grandes estabelecimentos agrícolas
29/11/2019 14h00 | Atualizado em 03/12/2019 15h46
Pela primeira vez, o Censo Agropecuário investigou a cor ou raça dos mais de 5 milhões de produtores agrícolas do país. Em 2017, 52,8% deles eram pretos ou pardos e 45,4% eram brancos, numa distribuição semelhante à da população do país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Outra semelhança é na desigualdade. Neste caso, ela se reflete na distribuição de área dos estabelecimentos agropecuários. Entre os produtores que dirigem propriedades com até cinco hectares, a população preta ou parda é maioria, com 65% contra 32,4% de brancos.
Conforme aumenta a área de produção, a proporção vai se invertendo: entre cinco e 50 hectares, a população branca é maioria, com 52,4% contra 46,3% de pretos ou pardos. Nos estabelecimentos agropecuários de 50 a mil hectares, 57,1% são dirigidos por produtores brancos, contra 41,5% de pretos ou pardos.
Nas grandes áreas, a disparidade se intensifica. Em estabelecimentos de mil a 10 mil hectares, há mais que o triplo de brancos (74,7%) face aos pretos ou pardos (23,8%). Na última faixa estabelecida pela pesquisa, de mais de 10 mil hectares, a proporção é de 79% contra 18,9%.
Comunidades quilombolas: resistência do laço entre negros e a terra
A relação do negro com a terra vai além do mero cultivo agrícola ou pecuário para sustento próprio. As comunidades quilombolas são grupos que têm o território como base não só econômica, mas de produção social e cultural de sua coletividade. São reconhecidos na Constituição de 1988 como portadores de direitos territoriais coletivos e fazem parte do conjunto dos povos e comunidades tradicionais. Os registros são regulamentados pela Fundação Palmares.
A Comunidade Remanescente de Quilombo do Ginete, em Barra da Estiva (BA), na Chapada Diamantina, é um desses lugares onde terra, cultura e economia convivem em harmonia. Por meio do Programa Brasil Quilombola, a comunidade conseguiu o reconhecimento, obtendo em 2016 o certificado oficial.
No local, dezenas de descendentes de africanos escravizados cultivam principalmente café, mas também banana. Por conta da declividade e da altitude do terreno, o Quilombo do Ginete ainda não conseguiu desenvolver outras culturas. Mas, com as técnicas tradicionais ensinadas pelas gerações anteriores, os quilombolas processam, torram e moem o próprio café que cultivam, para posterior comercialização.
É uma modalidade de sustento que vai além do dinheiro. “A gente sabe a importância de estar aqui. A gente se sente seguro de estar nesta terra. Sobreviver da agricultura simboliza a união e a tradição familiar. É uma história que a gente resguarda”, conta Gilmar Pereira Alves, secretário da associação e coordenador geral da comunidade.
Gilmar também é neto do fundador do território, um agricultor descendente de africanos escravizados que, há 40 anos, saiu da área onde fica hoje a Comunidade Quilombola de Mulungu, no município de Boninal (BA), também na Chapada Diamantina. Fugindo da seca e da fome para tentar a vida em um pedacinho de chão para ele e sua família, se estabeleceu no Ginete.
Hoje, filhos, netos e bisnetos cultivam seu pedaço de terra, sem conflito. “Ele conseguiu comprar a terra e assentar todo mundo da família. Atualmente, seria difícil distribuir uma área e colocar tanta gente para produzir”, afirma Gilmar.