"Café com leite" de Minas mostra força no Censo Agro
26/12/2017 09h00 | Atualizado em 24/01/2019 11h01
Até fevereiro de 2018, o IBGE visitará cerca de 550 mil estabelecimentos agropecuários em Minas Gerais. Desses, mais de 368 mil (66%) já receberam um recenseador do Censo Agropecuário 2017 para coletar os dados que atualizarão o retrato do Brasil rural. Por trás dos números, há histórias de dedicação e amor ao campo, compromissos que garantem ao estado o status de maior produtor de café e leite de vaca do país.
De 2010 para 2016, a Produção Agrícola Municipal (PAM) mostra que a produção de café saltou de 1,5 milhão para 1,8 milhão de toneladas, e a tendência segue positiva. “Minas é um estado único na produção de café. Pela extensão da área, é possível plantar diferentes tipos, variando de altitudes de 600 a 1.300 metros”, explica o coordenador técnico estadual de cafeicultura da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), Bernardino Guimarães.
O terreno mais alto, típico da região, influencia na qualidade do grão, já que o clima frio permite o amadurecimento mais lento e, por consequência, uma maior concentração de açúcares no fruto. O resultado é uma localidade propícia para o cultivo do chamado café especial, informalmente conhecido como “gourmet”, que reúne sabores e aromas diferenciados e tem maior valor agregado. Grande parte do produto sai de pequenas propriedades de agricultura familiar (79% do total de produtores em Minas, segundo o último Censo) – que utilizam processos semi-mecanizados de produção – com destino à exportação, conquistando mercados principalmente nos EUA, Europa e Japão.
Simone Carneiro de Morais Souza, 60 anos, nasceu em família de cafeicultores, na cidade de Varginha, Sul de Minas. Ela decidiu estudar zootecnia, porque “gosta de terra e de animais”. Há oito anos ela e a família mudaram-se para Cambuquira, onde colhem cerca de 500 sacas de café anualmente, inclusive o especial, que é comercializado para cafeterias. Dos três irmãos, somente Simone continuou no ramo dos pais.
“Mexo com café desde pequena. Morei em vários lugares, mas sempre estava envolvida com café nas férias, finais de semana e feriados”, relata. A rotina dela começa antes das 7h. Enquanto passa o dia solucionando os problemas comuns no dia a dia de uma propriedade rural, o marido de Simone fica responsável pela comercialização e gestão financeira.
Bernardino Guimarães vislumbra para o futuro a aliança cada vez maior da qualidade com a certificação, garantia de que o grão segue padrões internacionais ambientais, trabalhistas e de produção. “Minas Gerais é pioneira em um trabalho de certificação, por meio do Certifica Minas Café. Atualmente, cerca de 1.200 produtores são certificados no estado”.
O desafio do leite
Segundo o Censo Agropecuário 2006, menos da metade das terras mineiras (48,7%) foi obtida por meio de herança. No entanto, esse é o caso do seu Cesio Rosa Pereira, de 77 anos, e da dona Maria Beatriz Teixeira Pereira, de 71, que há 50 anos produzem leite no município de Pedro Leopoldo, a 42 quilômetros da capital Belo Horizonte. O apego à pecuária é o que mantém ativa a grande propriedade, com 230 hectares, que se mistura com diversos outros pequenos estabelecimentos agropecuários da região.
“A gente tem origem no campo, apesar de não dar lucro, dá satisfação”, conta Cesio, acrescentando que a principal fonte de renda da família vem de outras atividades. Apesar das dificuldades, durante as décadas o casal passou de uma produção diária de 400 para 1.100 litros, os quais são transportados para uma cooperativa local e, depois, para uma grande empresa de produtos lácteos.
Na propriedade, a ordenha é manual. Também há plantio de milho e sorgo, que servem como ração. O cultivo, no entanto, não é o único alimento do gado, que é criado no sistema semi-intensivo e se divide entre o pasto e o curral.
O Brasil é o quarto maior produtor mundial de leite, sendo Minas Gerais o maior do país, com quase 9 bilhões de litros produzidos em 2016, de acordo com a Pesquisa Pecuária Municipal (PPM). O produto é distribuído para outros estados, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro.
O clima e a abundância de água são fatores favoráveis para a criação do gado na região, aponta a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Rosângela Zoccal. A especialista afirma que o preço do leite, o custo da produção e o transporte são entraves para o desenvolvimento. Há necessidade ainda de capacitação da mão de obra, considerando que a grande maioria dos produtores são pequenos, apesar de o maior volume do produto vir das grandes propriedades. “Acredito que o setor vai continuar crescendo muito. Os pequenos produtores ficarão com um mercado local muito específico, e as grandes indústrias serão abastecidas por produtores maiores”.
“Ô de casa”!
O “ali” do mineiro, que resume distâncias variadas de acordo com quem dá a informação, leva os 1.911 recenseadores a todos os cantos da Unidade da Federação. O acesso nem sempre fácil é um dos obstáculos a serem vencidos pelos pesquisadores, que lançam mão de diversos meios de transporte, principalmente motocicletas. “Isso varia de região para região, do tipo de relevo e das condições do recenseador. Em muitas áreas, o único meio possível é o cavalo e nas áreas ilhadas ainda são os barcos”, conta a chefe da unidade estadual do IBGE em Minas Gerais, Maria Antônia Esteves.
Outro desafio, completa ela, diz respeito à falta de familiaridade do recenseador com o campo, já que muitos deles vêm da zona urbana e “desconhecem totalmente os hábitos dos moradores e da área rural", como se deslocar de forma rápida e segura entre os diversos estabelecimentos que devem ser recenseados. Entre as soluções para os possíveis problemas, a unidade estadual está trabalhando de forma mais ampla a supervisão de campo, com acompanhamento presencial de servidores mais experientes, e solicitando apoio de potenciais parceiros.
A família da Maria Marta Alves Ribeiro, de 30 anos, abraçou junta o Censo Agro. Mesmo grávida de oito meses, ela continuou exercendo a função de recenseadora em Águas Vermelhas, no Norte de Minas. O trabalho só foi interrompido bem próximo do nascimento do filho, que aconteceu no dia 19 de dezembro.
Ainda durante a gestação, ela e o bebê visitaram mais de 50 estabelecimentos agropecuários em uma motocicleta, pilotada pelo marido dela. Em alguns casos, o “barrigão” despertou a solidariedade e Maria Marta ganhou carona de moradores e vans escolares da prefeitura local.
Mãe de segunda viagem, ela afirma que gostou da experiência de trabalhar como recenseadora: “as pessoas veem o comercial do IBGE e quando eu chegava, toda uniformizada, todos achavam legal, como se eu tivesse saído de dentro da televisão”, diverte-se. Em uma situação inesperada, o proprietário de uma grande fazenda ficou surpreso ao saber da visita da recenseadora e decidiu sair de helicóptero de Montes Claros (a 350 quilômetros) para responder ao questionário. “Ele disse que ia mandar trazer fogos de artifícios porque o IBGE tinha ido lá”.
No entanto, o trabalho do recenseador tem seus desafios. Segundo a mineira, existem propriedades tão íngremes que só permitem a descida a pé. O jogo de cintura também é essencial para lidar com a desconfiança. “Algumas pessoas são muito idosas e ficavam assustadas quando eu chegava. Levava um tempinho para explicar qual a função do IBGE”.
Em campo, a recenseadora viu de perto a realidade rural. “Por causa da seca, quem tem sistema de irrigação consegue colher alguma coisa, mas tem gente que não conseguiu colher nada na safra”. Ao reunir informações sobre o setor, o Censo irá subsidiar pesquisas, investimentos e políticas públicas voltadas para a produção agropecuária brasileira.
Texto: Helena Tallmann, de Minas Gerais
Arte: Pedro Vidal
Fotos: Embrapa e Helena Tallmann