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Agricultura

Mulheres conquistam espaço na produção de café em Minas Gerais

Editoria: IBGE | Helena Tallmann, de Minas Gerais | Arte: Helena Pontes

20/03/2018 09h00 | Atualizado em 16/05/2019 10h52

Uma cooperativa de mulheres de Minas Gerais tem conquistado espaço em um meio em que quase 90% dos produtores rurais do país eram homens, segundo dados de 2006 do Censo Agropecuário. Foi o amor pelo café que uniu Leticia, Leila, Margarida, Patricia e Sandra, todas com histórias de vida distintas, e que hoje integram a Associação das Mulheres Empreendedoras do Café da Serra da Mantiqueira do Sul do Estado de Minas Gerais (Amecafé Mantiqueira).

A Associação reúne mulheres da região envolvidas na produção cafeicultora, desde catadoras, a meeiras e proprietárias de terras. Leticia Albinati, de 56 anos, afirma que a maioria das integrantes tem pequenas propriedades e colhem até 200 sacas por ano. O grupo, formalizado em agosto de 2017, já reúne 62 mulheres de oito cidades da região (Cambuquira, Campanha, Cristina, Heliodora, Jesuânia, Lambari, Pedralva e São Gonçalo do Sapucaí).

Segundo a pesquisa da Produção Agrícola Municipal (PAM), dos cerca de três milhões de toneladas de café produzidos no país em 2016, essas cidades representaram, juntas, 1,9% do total, com destaque para São Gonçalo do Sapucaí (11,8 mil t), Cambuquira (11 mil t) e Lambari (9,4 mil t).

Idealizadora da iniciativa e cafeicultora há 12 anos, Leticia conta que tudo começou em 2016, com 12 catadoras de café. À época, muitas guardavam o grão em casa, não possuíam capacitação e recebiam por seu produto um valor abaixo do real. Comovida, ela passou a reunir o grupo para capacitações, com a proposta de valorizar o trabalho e melhorar a qualidade de vida dessas produtoras. Pouco a pouco, a notícia foi se espalhando e novas mulheres quiseram participar. “Hoje, elas se sentem incluídas na cafeicultura, sabem conversar de igual para igual sobre o café”, conta. Das 12 primeiras catadoras, todas passaram também a cultivar sua própria plantação.

Além da inclusão social, o retorno também é financeiro. A Amecafé Mantiqueira disponibiliza às associadas um selo de autenticidade e um certificado, que atesta a compra de um café especial (acima de 82 pontos) produzido por mulheres – o que agrega valor ao produto com reflexos no preço final. Em um período que a saca valia R$ 490, por exemplo, ela chegou a ser comercializada por R$ 540 com essa certificação. O lucro é todo entregue à produtora, que também é responsável pela negociação.

Respeito conquistado

As “comadres” de infância Leila Lemes, de 57 anos, e Margarida Santos, 67, são as primeiras produtoras a comercializarem o produto torrado com o selo da Amecafé Mantiqueira. Há quase 30 anos, elas aproveitaram o momento econômico instável no país e o incentivo à aquisição de terras para comprar juntas uma propriedade em Cambuquira. Oriundas da cidade e sem experiência na roça, depois de algumas tentativas, as duas firmaram o negócio na produção de café e conquistaram, aos poucos, o respeito dos vizinhos.

“Tivemos muita discriminação sim, por termos vindo do meio urbano, mas também por sermos mulheres”, conta Margarida. A reputação da dupla foi construída com a introdução de novas técnicas agropecuárias e costumes, bem como o respeito e incentivo aos empregados. Orgulhosas, as amigas contam que implantaram na região noções de proteção ao meio ambiente, proibiram a caça e criaram um bolsão verde de árvores em sua propriedade. Atualmente, elas vivem do negócio e possuem duas marcas próprias de café. As amigas participam de todo o processo, do plantio à venda, e afirmam que a união feminina é capaz de alavancar a cafeicultura, se tornando um valor agregado ao produto.

#PraCegoVer Lavoura de café no Distrito de Ferreiras próximo ao município de São Gonçalo do Sapucaí - Sul de Minas - Crédito: Albinati Specialty Coffees - Arquivo Facebook
Lavoura de café no Distrito de Ferreiras, no município de São Gonçalo do Sapucaí (Imagem: Albinati Specialty Coffees)
#PraCegoVer Pé de café no Distrito de Ferreiras próximo ao município de São Gonçalo do Sapucaí - Sul de Minas - Crédito: Albinati Specialty Coffees - Arquivo Facebook
Detalhe de pé de café no Distrito de Ferreiras, no município de São Gonçalo do Sapucaí (Imagem: Albinati Specialty Coffees)
#PraCegoVer Leila e Margarida administram juntas propriedade cafeicultora - Crédito Arquivo pessoal Leila e Margarida
Leila Lemes e Margarida Santos administram juntas propriedade cafeicultora (Imagem: arquivo pessoal)
#PraCegoVer Leila rodando café no terreiro - Crédito Arquivo pessoal Leila e Margarida
Leila Lemes rodando o café no terreiro (Imagem: arquivo pessoal)
#PraCegoVer Leticia Seda Albinati deu o pontapé inicial para a união das mulheres cafeicultoras - Crédito: Albinati Specialty Coffees - Arquivo Facebook
Leticia Albinati deu o pontapé inicial para a união das mulheres cafeicultoras (Imagem: Albinati Specialty Coffees)
#PraCegoVer Mulheres integrantes da Amecafé Mantiqueira participam de evento em BH - Crédito Helena Tallmann
Mulheres integrantes da Amecafé Mantiqueira participam de evento em Belo Horizonte (Imagem: Helena Tallmann)
#PraCegoVer Patrícia Borges (à direita) é premiada na Semana Internacional do Café em Belo-Horizonte, 2017 - Crédito: Amecafé Mantiqueira - Arquivo Facebook
Patricia Borges (à direita) é premiada na Semana Internacional do Café em Belo Horizonte 2017 (Imagem: Amecafé Mantiqueira)

Vencendo a resistência

Mesmo tendo crescido em uma família cafeicultora de São Gonçalo do Sapucaí, a jornada de Patrícia Borges, 56, não foi mais fácil. O principal desafio, no entanto, estava dentro de casa. Ela assumiu a administração de parte da propriedade herdada do pai, e hoje trabalha em conjunto com alguns dos seis irmãos e em sociedade com o ex-cônjuge. “Quando meu pai faleceu, minha mãe achava que as mulheres [três irmãs] não precisavam de terra, porque éramos casadas e tínhamos que viver com o marido. Foi uma luta conseguir o nosso pedacinho, mas os 50% de herança dela, ela deu só para os homens”.

Além disso, Patrícia também lidou com resistência por parte dos irmãos e dos empregados, que não aceitavam o comando de uma mulher. “A gente está vencendo [o preconceito] com a Associação, mostrando que trabalhamos direitinho, com mais cuidado na qualidade do café, sempre correndo atrás e se capacitando mais”.

Permanência no campo

A coragem de Sandra Maria Momoeda, hoje com 51 anos, está estampada em sua história. Em 1998, a brasileira decidiu abandonar uma vida estável no Japão para plantar café em São Gonçalo do Sapucaí. Ela se apaixonou pela região durante um passeio de férias e começou a estudar e se preparar para iniciar o cultivo. Acompanhada dos três filhos pequenos, a nova produtora arrendou um pedaço de terra e começou o ofício. “Fomos lutando com muita dificuldade, porque eu não tinha prática. Fui aprendendo e as coisas foram melhorando”, narra ela.

Sandra se juntou a mulheres como Letícia e Patrícia no fomento à ideia de se criar a Amecafé. “É um mercado muito competitivo. Em muitas propriedades só se vê o homem, e muitas de nós não têm essa figura do homem, a mulher toca a lavoura sozinha”, ressalta. Para ela, a Associação mostra que as mulheres podem conquistar um futuro melhor para sua família sem sair do campo, aliando realização pessoal e profissional.

Com o selo da Amecafé, ela passou a realizar vendas diretas, sem intermediários, inclusive exportando o café verde para o exterior. “Queremos mostrar para os nossos filhos que é um negócio viável e evitar o êxodo rural. Eles não querem essa vida em que o produtor não é reconhecido”, acrescenta Sandra. Dos seus três filhos, apenas o mais novo, com 14 anos, demonstra interesse em dar continuidade ao plantio.

Tendência mundial

Sandra disse que se surpreendeu com a repercussão tomada pelo trabalho das mulheres e opina que os consumidores do café não só aumentaram como também ficaram mais exigentes: “as pessoas começaram a procurar de onde vem o café. As mulheres são mais criteriosas, cuidam e selecionam o grão, isso faz com que o produto delas se destaque e ganhe prêmios”. Além disso, a cafeicultora frisa a preocupação com a sustentabilidade e a história de vida por trás dos produtos, que os torna diferenciados.

Letícia aponta que a valorização das produtoras rurais é mundial e dá voz às mulheres, que passam a inovar no campo. Porém, ela também destaca a importância da união familiar e do trabalho conjunto para a melhora da qualidade de vida. Além de manter as capacitações, a Amecafé busca qualificar e ampliar a venda do café das associadas e tenta adquirir uma máquina própria para torrefação do café.