Censo 2020
IBGE realiza consulta com representantes quilombolas e indígenas
10/12/2018 10h00 | Atualizado em 11/02/2019 14h37
Durante a última semana, o IBGE promoveu reuniões de consulta com representantes de comunidades quilombolas e indígenas sobre a realização do Censo Demográfico 2020, na sede do instituto, no Rio de Janeiro. Será a primeira vez que os quilombolas serão investigados, enquanto os indígenas, que já eram pesquisados, terão um novo questionário para fornecer aos recenseadores informações básicas de seus povos.
Além do IBGE e dos povos tradicionais, participaram também representantes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Conaq (Coordenação Nacional de Quilombos), Funai (Fundação Nacional do Índio), Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), Museu do Índio, Museu Nacional e Fundação Cultural Palmares.
Para dar o tratamento adequado ao tema, o IBGE segue a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) ao realizar uma consulta livre, prévia e esclarecida com essas populações. “Iniciamos um processo de consulta pública de três etapas para apresentarmos toda a proposta teórica, metodológica, operacional e geográfica da inserção dos quilombolas no Censo 2020. Discutimos com eles todos os pontos, de acordo e discordância, para avançarmos em comum acordo”, explica a antropóloga responsável pelo Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes.
Assim como ocorreu com os indígenas, a primeira etapa foi realizada em julho, quando foram apresentados os resultados da primeira prova piloto, de agosto, e definidas as mudanças para a segunda prova, marcada para março e abril de 2019, além do Censo Experimental. A última etapa ocorrerá em agosto do ano que vem, quando será finalizada a discussão prévia.
Para a antropóloga, fazer esse tipo de consulta ajuda a entender o que essas comunidades esperam de um instituto de estatística e geografia: “são populações com modo de ser, fazer e estar no mundo diferenciado, então, sem esse processo de consulta, podemos, em vários momentos, infringir regras culturais e sociais dessa população e colocar em risco a operação e a segurança do recenseador”, diz Marta, que ressalta que essa pactuação facilita a operação do IBGE e melhora a qualidade dos dados.
O geógrafo do IBGE Fernando Damasco, que também integra o Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais, destaca que, além de questões culturais, foram debatidos temas importantes para o mapeamento dessas populações no Censo 2020, como a base territorial e os conceitos geográficos: “foram levadas em consideração os procedimentos a serem observados pelos recenseadores nessas áreas e também como será feita a divulgação dos dados, que é uma preocupação dos quilombolas”.
Visibilidade é a principal reinvindicação
Apesar da preocupação com aspectos técnicos, culturais e operacionais do Censo 2020, os representantes indígenas e quilombolas que participaram das consultas prévias ressaltaram que o mais importante é dar visibilidade às necessidades de cada comunidade tradicional do país.
“É importante termos conseguido que os quilombolas participassem do recenseamento. É uma vitória importante numa luta de muitos anos. É uma alegria maior ainda participar do processo, discutir como será realizada essa pesquisa, demonstra um respeito que é o que queremos com as comunidades”, destaca a representante da Coordenação Nacional de Quilombos Sandra Andrade, moradora do Quilombo Carrapatos da Tabatinga, da cidade de Bom Despacho (MG).
Ao saberem quantos são pelos resultados do Censo, ela espera poder buscar políticas públicas nos estados e municípios. “Hoje, reivindicamos e eles nos perguntam quantos somos, mas não sabemos. Vivemos numa realidade de conflitos, especulações, em algumas comunidades. Temos um pouco de medo, mas, ao mesmo tempo, queremos estar visíveis”, diz Sandra.
Os representantes indígenas também destacaram a importância do diálogo para uma melhor representatividade no Censo. “Temos nossa cultura, nossa originalidade. Estamos tratando do reconhecimento ao direito à educação, cultura, saúde. Tudo isso para nós é muito importante. Esperamos que tenhamos um investimento maior nessa área”, disse o representante da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Adão Francisco, do povo Baré, que vive em São Gabriel da Cachoeira (AM).
Já o representante do povo Terena, Gilmar Alcântara, destacou a dificuldade de comunicação com os povos indígenas. “Existem comunidades indígenas que só falam a língua materna e têm dificuldades com algumas palavras em português. Na minha aldeia, as pessoas sabem que domicílio é casa, por exemplo, mas algumas comunidades não sabem. Muitas vezes, o questionário do Censo não faz sentido para nós. Foi uma das questões que colocamos”, conta o morador da Aldeia Buriti, de Dois Irmãos do Buriti (MS).
Com esse trabalho de preparação para o Censo, a expectativa é estimular avanços nos estudos das comunidades tradicionais. “É importante destacar que todo esse trabalho de preparação do Censo junto às comunidades ganha relevância especial, porque o Estado brasileiro não tem experiências muito sólidas na aquisição e tratamento de informações geográficas sobre comunidades tradicionais. Isso abrirá caminho para uma série de pesquisas relacionadas a essas populações”, encerra Damasco, geógrafo do IBGE.