I Encontro Nacional de Favelas
IBGE promove evento para discutir e rever o conceito de aglomerado subnormal
03/10/2023 16h00 | Atualizado em 03/10/2023 16h16
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou, entre os dias 25/09 e 29/09, o I Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas do Brasil, em Brasília (DF). Estiveram presentes no encontro representantes da Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades, da Central Única das Favelas (CUFA), do Observatório das Favelas, do Observatório das Metrópoles, do Museu das Favelas, além de pesquisadores de universidades, organizações da sociedade civil, Governo Federal e Ministério Público.
O evento teve como objetivo a discussão e a revisão da nomenclatura e do conceito do termo aglomerado subnormal, a consulta e identificação das demandas de órgãos públicos, organizações da sociedade civil e da academia envolvidos ou interessados na temática de favelas e comunidades urbanas, e a criação de um canal de comunicação com escuta e interação entre os diversos atores e instituições implicadas na temática.
O Coordenador de Geografia, Cayo Franco, explica que o termo aglomerado subnormal está vigente desde o final da década de 1980 e foi usado pela primeira vez no censo de 1991, mas que é inadequado para o contexto atual. “Estamos em um momento em que superamos o aglomerado subnormal porque ele traz algumas questões que são datadas e não representam os avanços da Constituição Federal (1988) e do Estatuto das Cidades (2001). Além disso, precisamos construir uma narrativa mais generosa com as áreas que estamos representando que busque superar o paradigma da ausência e carência e incorporar a dimensão da potência destes territórios. Contudo, temos uma limitação: ao mesmo tempo que a gente faz essa revisão, temos que ter um conceito que represente o que coletamos na operação do Censo 2022. Então o nosso objetivo é fazer essa reescrita, não podemos mudar os critérios que foram utilizados em campo. É um primeiro passo de um processo maior de revisão de metodologias e conceitos sobre esses territórios no IBGE.”, alertou.
Cayo explicou que a organização do evento visou abrir um canal de comunicação com a sociedade, o governo federal, os ministérios e as prefeituras. “Entre as alterações, a gente buscou tirar juízos de valores, a forma de ver a área como irregular, ilegal, que as pessoas estão erradas, porque a gente sabe que isso ajuda a construir narrativas. O que a gente decidiu apontar foi a questão do direito: as pessoas não têm seus direitos garantidos e a culpa não é dessas pessoas”.
Já a Pesquisadora em Informações Geográficas e Estatísticas e participante da comissão organizadora do evento, Letícia Giannella, ressaltou que o processo de mudança da nomenclatura tem sido uma construção coletiva. “Para chegar até aqui hoje, nós montamos um grupo e fizemos algumas reuniões prévias, para construir uma proposta de alteração do conceito e de nova redação dos critérios. Nesse grupo, temos a participação de acadêmicos, pesquisadores, movimentos sociais, representantes e lideranças de favelas. Então a gente tem esse ambiente preparatório para chegar aqui e trazer todo mundo: os mais diversos públicos, usuários e outros produtores de informação, para dialogar com a gente. É uma abertura do IBGE para a sociedade, uma perspectiva muito democrática de discussão do conceito, que traz muitos desafios, mas, por outro lado, nos deixa muito motivados por essa construção com esse sentido muito coletivo”, disse.
O Diretor de Geociências, Cláudio Stenner, acredita que o esforço de diálogo é fundamental. “Diversos setores da sociedade estão envolvidos: representantes do governo federal, governos municipais, representantes da sociedade civil de diversas partes do país. É importante ter representatividade da diversidade regional do Brasil nesse seminário, da própria rede do IBGE também. Aqui temos todas as superintendências para que a gente possa ter de fato um reflexo da sociedade da melhor maneira possível no conceito porque, quando a gente divulga e estuda qualquer indicador ou recorte geográfico da sociedade, é importante que esse conceito seja significativo para a compreensão da sociedade. Esse seminário se insere muito nesse esforço para melhorar a nossa representatividade como produtor de informação oficial do Brasil a partir dessa visão mais multifacetada e democrática”, acrescentou.
Para Letícia, o evento é um ponto de partida para a construção de laços com todos os setores da sociedade. “Uma grande expectativa que a gente tem é em relação à construção de laços, à construção de uma articulação, para seguir nesse debate. Esse evento não é um ponto de chegada, é um ponto de partida. Então, se nesse momento estamos pensando em um novo nome, uma nova nomenclatura, uma nova redação pro conceito, isso também implica a construção de articulações que a gente quer manter para o médio prazo, para a reflexão sobre esses territórios com mais profundidade, talvez pensando em outras possibilidades, outras pesquisas”.
Plenária
Na quinta-feira (28/09), aconteceu uma plenária, na qual foram propostos uma nova nomenclatura, novos critérios e uma carta de compromisso - um documento que objetiva orientar as ações do IBGE nas favelas e comunidades nos próximos anos. Nesse sentido, o gerente de pesquisas e classificação territorial, da Coordenação de Geografia, Maikon Novaes, explicou que estão sendo propostas mudanças de texto nos critérios, mas que elas não têm nenhum impacto nos critérios já utilizados pelo IBGE, visando a divulgação do Censo 2022.
A nomenclatura inicial proposta para o debate em substituição a “aglomerados subnormais” foi “favelas e assentamentos populares”. Porém, no decorrer do encontro, o termo assentamento não foi muito bem recebido devido à sua associação frequente à ação estatal e por ser pouco usado e conhecido entre moradores das comunidades. O grupo de trabalho sobre favelas e comunidades urbanas do IBGE está agora estudando as possibilidades debatidas no encontro para a definição do novo nome. Quanto à nova redação dos critérios, todos os itens foram bem avaliados pelo público participante, por meio de consulta enviada previamente a todos os participantes.
Larissa Catalá, da Coordenação da Central de Entrevistas Telefônicas Assistidas por Computador, apresentou a sugestão de reformulação dos critérios de identificação das áreas que atualmente são nomeadas de aglomerados subnormais. Entre as mudanças, foi proposta a troca de “ocupação irregular da propriedade alheia” para “predominância de domicílios com graus diferenciados de segurança jurídica da posse”. Além disso, para o segundo critério, foi proposta a troca de “carência de serviços públicos essenciais” para “oferta incompleta ou precária de serviços públicos urbanos por parte das instituições competentes”. Já para o terceiro critério, a alteração proposta é de “padrão urbanístico irregular” para “predomínio de edificações, arruamento e infraestrutura que usualmente são autoconstruídos ou se orientam por padrões urbanísticos ou se orientam por parâmetros urbanísticos e edilícios distintos dos definidos pelos órgãos públicos”. Por fim, quanto ao quarto critério, foi sugerida a alteração de “localização em áreas com restrição à ocupação”, complementando com “... definidas pela legislação ambiental ou urbanística, tais como faixas de domínio de rodovias e ferrovias, linhas de transmissão de energia e áreas protegidas [...]”.
Após esse momento, Cayo Franco apresentou uma carta de compromisso, contendo os objetivos e principais encaminhamentos das temáticas discutidas no evento. Além da alteração do conceito de aglomerado subnormal, a carta estabeleceu outros compromissos: dar ciência aos resultados, ampliar e fortalecer uma rede de instituições e coletivos para apoio ao desenho conceitual e metodológico, estabelecer uma rede permanente de comunicação com as lideranças e usuários das estatísticas e informações geoespaciais sobre favelas e comunidades urbanas, realizar reuniões de planejamento e sensibilização das comunidades, desenvolver um processo de diálogo e consulta com os usuários das estatísticas e informações geoespaciais, avaliar as demandas de levantamento de informações específicas sobre a realidade das favelas e comunidades urbanas, entre outros.
Próximos passos
Para Cayo Franco, o destaque do encontro foi a participação de pessoas da academia, dos órgãos públicos e principalmente pessoas que moram nas favelas e comunidades urbanas do Brasil, que dão uma nova perspectiva para o debate. “A gente amplia e consegue enxergar questões que tradicionalmente a gente não consegue captar nas pesquisas e nos levantamentos do IBGE. Isso coloca um desafio para a gente, especialmente pensando no Censo 2030, mas também pensando possibilidades dentro das pesquisas amostrais, das pesquisas que o IBGE costuma fazer no período intercensitário”.
Ele acrescentou que o termo aglomerado subnormal não vai ser usado na divulgação do Censo 2022. “Agora a gente vai pegar todos os insumos que vieram do encontro e de etapas anteriores. A gente vai reunir com o nosso grupo consultivo, discutir e levar para as instâncias decisórias do IBGE para que possamos aprovar esse nome e essa reescrita dos critérios e do conceito para que possamos usá-lo na divulgação dos resultados do Censo 2022”, explicou.
Letícia afirmou que o evento colocou uma demanda de formação do grupo consultivo para acompanhar o trabalho do IBGE. “A gente pretende expandir a rede de parceiros e de atores, e temos a ideia de fazer um grande encontro novamente no futuro”.
Já a pesquisadora da USP e representante do Observatório das Metrópolis, Camila D’Ottaviano, apontou a necessidade de que o IBGE promova encontros sobre a temática de forma regular. “Eu acho que seria muito importante que a gente tivesse um novo encontro antes da formulação e da aplicação do próximo Censo, inclusive para discutir os avanços que aconteceram a partir desse primeiro encontro”, disse.
Cayo Fanco acredita que o evento mostrou que o IBGE tem capacidade de estimular a participação por meio de um processo consultivo amplo. “Nós vimos isso com os povos e comunidades tradicionais. Agora estamos fazendo com as populações de favelas e comunidades urbanas. Então eu acho que a gente pode ampliar esse tipo de estrutura, de consulta, fazer isso mais vezes. A gente sabe que isso dá trabalho, mas eu acho que é algo que recompensa muito”.
Os próximos passos do encontro incluem construir um programa de trabalho, com a interação de diversas áreas do IBGE. “A gente viu demandas claras sobre questão de endereçamento, que envolve a parte do Cadastro Nacional de Endereços para fins Estatísticos (CNEFE). Vimos demandas de pesquisas específicas, de suplementos que tratem desses territórios, que são demandas que a gente vai ter que endereçar para a Diretoria de Pesquisas. A gente viu demandas que envolvem o mapeamento desses territórios e outras possibilidades de fazer representações territoriais, talvez usando indicadores sociais. Isso a gente vai ter que fazer também uma discussão dentro da Diretoria de Geociências junto com a Diretoria de Pesquisas”, concluiu.
Transmissão
O evento foi transmitido pelo canal do IBGE no YouTube, e a gravação está disponível. Assista: