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Revista Retratos

ODS 10: desigualdade, um desafio histórico

Editoria: Revista Retratos | Marília Loschi | Arte: Licia Rubinstein

07/05/2018 09h00 | Atualizado em 26/07/2019 17h59

Enfrentar a desigualdade no Brasil requer, primeiramente, olhar para nossa história a fim de compreender os processos que resultaram na exclusão social e política de grandes parcelas da população. As metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 10 apontam para políticas de distribuição de renda, leis adequadas e não discriminatórias e proteção salarial. O pesquisador do IBGE André Simões explica o papel das políticas públicas como forma de reduzir as desigualdades, tendo em vista o desenvolvimento econômico e a universalização da cidadania.

Revista Retratos - Como a gente pode entender esse ODS 10, sobre reduzir a desigualdade, no contexto brasileiro?

André Simões - Primeiro é importante mencionar que, no Brasil, a desigualdade é muito mais que um tema: é uma característica que transcende praticamente todos os nossos modos de vida, nossas formas de enxergar o país. A desigualdade se manifesta em diferentes níveis. Pode ser uma desigualdade de oportunidades, de renda, de mercado de trabalho, pode ser uma desigualdade num nível simbólico, no caso na sensação de pertencimento ao local, de se sentir bem no local, de se sentir como igual no país que você está.

Retratos - Como podemos observar as desigualdades através de estatísticas?

André - No campo da renda, indicadores como o Índice de Gini, que mede a desigualdade, são bem consolidados. O Brasil tem um índice bastante elevado em comparação com países vizinhos como Argentina, Uruguai e Chile e em comparação com países desenvolvidos. E também em relação à apropriação de rendimentos, quando comparamos aquela fração da população, os 10% que detêm os maiores rendimentos, com os 40% que têm os menores rendimentos. A desigualdade de apropriação de renda é muito grande no Brasil. E isso implica no campo das políticas públicas, na vulnerabilidade de populações específicas. Olhando os indicadores educacionais, de rendimento e de inserção no mercado de trabalho, são as mulheres, os pretos e pardos e os jovens os grupos vulneráveis que apresentam situação de maior desigualdade quando comparados aos demais.

Retratos - Qual a importância do ODS 10 diante desse quadro?

André: Então, o ODS 10 vem para o Brasil como uma oportunidade de o país fazer um acompanhamento desses indicadores e avaliar, em comparação com outros países, o que nós precisamos fazer para reduzir os níveis de desigualdade. Porque olhar somente o indicador, sem pensar em política, é insuficiente. Esse é um panorama mais geral desse ODS e da importância dele, especificamente, para o nosso país. Em relação ao ODS em si, pelo fato de a desigualdade ser um tema bastante amplo e estar em diferentes domínios, você pode notar que é um ODS que aborda a desigualdade em diferentes temas.

Retratos - Que temas seriam esses?

André - Um ponto que nós tratamos bastante é a questão da renda. Tem um indicador importante também, que é a participação das remunerações do trabalho no Produto Interno Bruto (PIB), e aí você vê quanto do PIB é composto pelas remunerações do trabalho. Se você pega uma série histórica você pode ver a evolução: na medida em que você tem uma maior participação do trabalho, uma massa de rendimento aumentando, então você tem uma apropriação maior de rendimento pela população. Se você tem um país que tem uma grande proporção do seu PIB apropriado pelo capital ou por aqueles que vivem de lucro e dividendos, então você retira do trabalho, das remunerações e daquilo que vai gerar condições de a população se manter e produzir suas condições de vida. São indicadores que, em conjunto, vão dando um panorama da condição de desigualdade no país.

Retratos - Quando a gente fala de como a desigualdade é tratada através de políticas públicas, há polêmica na sociedade, que nem sempre recebe bem a ideia de tratar de forma diferente pessoas que teoricamente seriam iguais.

André - Então, teoricamente somos todos iguais. Na prática deveríamos ser todos iguais, mas não somos. As políticas vêm no sentindo de tentar promover essa igualdade. Existe esse discurso de que não se pode fazer políticas para beneficiar grupos mais vulneráveis, porque “somos todos iguais”. Na verdade, isso deveria ter sido feito antes para garantir que todos pudessem partir do mesmo ponto de partida, digamos assim. Só que temos um passivo muito grande hoje que deve ser equalizado. E como você equaliza isso? É fazendo políticas voltadas para esses grupos. No mundo ideal todos são iguais, todos têm as mesmas oportunidades. Mas isso não existe no mundo real, as pessoas partem de pontos diferentes e, mesmo com políticas que equalizem essas oportunidades, ainda assim vão atuar os fatores mais simbólicos, culturais, patrimoniais. Em um país como o nosso, não ter políticas é desconhecer nossa realidade histórica, de onde nós viemos, nossa herança escravocrata, patrimonialista, e também não está de acordo com a necessidade de o país se desenvolver, enquanto nação.

Matéria publicada na Retratos nº 11