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PNAD Contínua

Cerca de 6,5 milhões de pessoas fazem trabalho voluntário no país

Editoria: Estatísticas Sociais | Camille Pereira, do Rio de Janeiro; Leandro Santos, do Maranhão; Mateus Boing, de Santa Catarina), Paulo Carlôto, do Ceará | Arte: Tabela adaptada do informativo PNAD Contínua Outras formas de trabalho 2016, produzido pelo IBGE/CDDI/GEDI

26/03/2018 09h00 | Atualizado em 10/04/2018 08h50

Quatro em cada cem pessoas realizaram algum trabalho voluntário, em 2016, no país. Em números absolutos foram 6,5 milhões de pessoas, o que representa 3,9% da população de mais de 14 anos. A informação foi revelada pelo módulo Outras Formas de Trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), que mostrou também que a proporção é um pouco maior entre mulheres (4,6%) que homens (3,1%) e maior nas regiões Norte (5,6%) e Sul (5,0%), enquanto Nordeste (3%) apresentou a menor taxa.

A pesquisa considera trabalho voluntário aquele não compulsório, sem que se receba nenhuma remuneração em dinheiro ou benefícios, realizado por pelo menos uma hora por semana. Além disso, é necessário que esse tipo de trabalho produza bens ou serviços para terceiros, isto é, pessoas que não moram na mesma casa que o voluntário e não sejam parentes.

Segundo a pesquisadora do IBGE Alessandra Brito, como se trata de um tema novo, a tendência é que a captação desse número cresça nas próximas pesquisas. “Agora que a gente começou a divulgar o que é, para PNAD Contínua, trabalho voluntário, as pessoas começaram a se perceber fazendo: que não é só ONG, mas por exemplo, aquele que sempre ajuda o vizinho, seja trocando uma lâmpada, ou com outros serviços”, explicou.

A pesquisa revelou que a grande maioria entre os que responderam ser voluntários o fez por meio de Organizações Não Governamentais ou empresas (91,5%). O restante o fazia individualmente. Quanto aos locais de realização, 81,5% era em congregações religiosas, condomínios, sindicatos, partidos, escolas, hospitais ou asilos. Apesar de as ONGs serem bem conhecidas por ofertar esse tipo de trabalho, foram citadas junto a outras associações e grupos como local de trabalho por apenas 12,8% dos voluntários.

Alessandra conta que o IBGE seguiu o acordado na 19ª Conferência Internacional de Estatísticas do Trabalho (CIET) ao incluir essas novas formas de trabalho na pesquisa, bem como as definições de trabalho voluntário pela Organização Internacional do trabalho (OIT). “O IBGE está sendo pioneiro em incorporar essa avaliação em pesquisas domiciliares”, afirma.

Viva e Deixe Viver está presente em oito estados

Regina Porto, 66 anos, foi trabalhar em São Paulo quando, junto com outros colegas de empresa, optou por iniciar um projeto voluntário usando o livro, a leitura e a contação de histórias para crianças e adolescentes em hospitais. Eles iniciaram há 20 anos a Associação Viva e Deixe Viver, que hoje já conta com mais de 1.400 voluntários em 8 estados: Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Ceará.

Para ela, a melhor recompensa do trabalho voluntário é a doação do seu tempo para o encontro com o outro, uma doação de igual para igual, sem ser movida por pena. “Porque você não pode fazer nenhum trabalho voluntário, nenhum trabalho de doação, se você começar com um olhar de pena do outro. O nosso projeto se chama Viva e Deixe Viver, isso é um ditado budista, que é: viva a sua vida, e deixe o outro viver a vida dele, independente se a vida dele está num bom momento ou não. Você não pode interferir. Você nunca vai sentir a dor do outro. O que você pode fazer é minimizar esse sofrimento do outro através de um olhar positivo”, explicou.

Depois de aposentada, em 2005, Regina voltou para sua cidade natal, no Rio, criando o Instituto Rio de Histórias, que atua em 24 hospitais na região metropolitana. Sobre a baixa porcentagem do voluntariado no Brasil, Regina comenta que, no início, era um trabalho árduo conseguir captar voluntários, pois apesar de acharem o trabalho bonito, as pessoas não aderiam com a justificativa do medo de entrar em hospitais. Segundo ela, esse medo é desconstruído durante uma capacitação inicial. Hoje, graças principalmente ao boca-a boca, já há uma grande procura e anualmente se inscrevem muitas pessoas no projeto: “Mas embora a gente tenha um treinamento longo, nos primeiros três meses de trabalho dos voluntários há 30% de perda”, contou.

A taxa de realização de trabalho voluntário é maior entre as mulheres e pessoas ocupadas, segundo a PNAD, fato também observado em todas as Grandes Regiões. Na Associação Viva e Deixe Viver, as mulheres no mercado de trabalho também são a maioria. Segundo Regina, nesse perfil “elas arranjam o tempo, têm essa consciência que quando você trabalha, você acaba tendo: esse olhar de que, para a roda girar, você precisa fazer alguma coisa além do trabalho formal”.

Uma dica que a fundadora do Instituto dá para quem quer iniciar um voluntariado é seguir seu gosto pessoal e fazer o que dá prazer. “Trabalhar, a gente trabalha onde dá, onde a gente consegue, muitas vezes não é o que a gente quer fazer, mas a gente precisa sobreviver. Mas quando você tem a oportunidade de optar por se doar ou doar seu tempo, você tem que escolher alguma coisa que realmente o faça feliz”.

#PraCegoVer Regina Porto e os livros que usa na contação de histórias para crianças e adolescentes
Regina Porto diz que o voluntário minimiza o sofrimento por meio de um olhar positivo
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Voluntários da Associação Viva e Deixe Viver leem livros para crianças em hospitais
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José de Ribamar Goes promove atividades esportivas com crianças da comunidade da Alemanha em São Luís (MA)
#PraCegoVer A servidora do IBGE Agláia Tavares mostra os gorrinhos que ela faz para doação
A servidora do IBGE Agláia Tavares tricota gorros para agasalhar bebês prematuros

Comunidade da Alemanha no Maranhão

Aos 49 anos de idade, José de Ribamar Goes desenvolve trabalhos voluntários na comunidade da Alemanha, bairro de São Luís marcado pela carência de serviços que deveriam ser oferecidos pelo poder público. Para suprir essa necessidade, o morador distribui frequentemente cestas básicas para as famílias humildes e ainda promove, com a ajuda de parceiros e amigos, atividades esportivas para as crianças.

“Há 25 anos venho realizando essas atividades. Eu via outras pessoas ajudando e isso me inspirou a fazer o mesmo”, destacou o morador, que afirmou ainda que organiza outras atividades para arrecadar fundos e direcioná-los para as famílias carentes da região, onde é grande a quantidade de famílias de baixa renda que habitam em palafitas.

Não apenas os moradores do bairro da Alemanha são beneficiados com a solidariedade de Cheiroso, como é conhecido carinhosamente desde a infância. Pessoas das comunidades do Apeadouro, Santa Júlia / Vila Palmeira, Fé em Deus, Liberdade e Camboa também são ajudadas com as cestas básicas e as atividades esportivas, somando mais de 1.300 famílias favorecidas em toda a região.

Moradores de rua e imigrantes em Santa Catarina

Segundo os dados da PNAD Contínua, a região Sul apresentou a maior proporção de pessoas que realizaram trabalho voluntário individualmente (11,0%). Um exemplo é o da aposentada Ângela Olinda Dalri, de 60 anos.

“Eu sei que ela atrasa, mas que ela vem, ela vem.” A frase já virou lugar-comum entre moradores de rua que se reúnem às quintas-feiras no largo da Catedral de Florianópolis, a partir das 20h, para tomar a infalível e substanciosa sopa da senhora. No dia 11 de janeiro, quando a cidade ficou praticamente intransitável devido a um dos maiores volumes de chuva já registrados na Ilha, Ângela chegou com a sopa às 21h15. “Na quinta-feira também tem um pessoal que distribui pão e suco, mas naquele dia eles não foram e, pela primeira vez desde 2008, faltou sopa”, conta.

Sem apoio de ONGs ou quaisquer outras entidades de voluntariado, ela cozinha em casa comida suficiente para encher de seis a oito potes de 20 litros. “Em geral dá para 120, 130 pessoas. Levo caixinhas de leite lavadas e cortadas para servir”, explicou. A iniciativa solidária teve início há 10 anos motivada por uma tragédia familiar. O filho único, Eduardo, foi encontrado morto durante uma viagem ao Japão, em setembro de 2007. Ângela entrou em depressão. Ainda hoje ela se emociona e não gosta de tocar no assunto.

Além de fazer a sopa, a aposentada ajuda refugiados haitianos. Ela aluga uma casa no bairro da Carvoeira onde vivem atualmente 17 pessoas daquele país, quatro deles desempregados. “Quem trabalha paga 270 reais por mês”, contou. Segundo ela, porém, o montante não cobre as despesas, e ela arca sozinha com os custos pendentes.

A ajuda aos haitianos também envolve acompanhá-los em órgãos públicos para tirar documentos, ajudá-los a fazer currículo e a procurar emprego. No momento, Ângela está focada em ajudar um casal de haitianos a trazer os quatro filhos deixados com a avó de 98 anos no país de origem. A ideia é arrecadar R$ 12 mil por meio de uma rifa a ser sorteada em maio, mês das mães.

Chama e Nova Acrópole no Ceará

Mariana Moura é formada em Psicologia e se dedicou, até o início do ano, ao trabalho voluntário no Centro Humanitário de Amparo à Maternidade (CHAMA), grupo que presta apoio a mulheres grávidas em situação vulnerável. Ela também é voluntária na Nova Acrópole, ONG que trabalha com filosofia.

No projeto CHAMA, Mariana acolhia mulheres que estavam em situação de rua ou que haviam sofrido violência do marido ou foram expulsas pela família e não tinham para onde ir. ”Nós fazemos o apoio ao pós-parto imediato e ao processo de amamentação, que é um momento onde as mulheres estão bem vulneráveis por conta da ansiedade e de aspectos psíquicos e elas precisam do acompanhamento de um profissional de psicologia”, explicou.

Projeto Octo no Rio de Janeiro

Agláia Tavares é servidora do IBGE há 17 anos e trabalha com tecelagem manual de gorros de lã para o projeto Octo, que doa polvos de crochê, além dos gorros, para nascidos prematuros em unidades neonatais. A servidora gasta pelo menos duas horas por semana na confecção dos gorrinhos.

O objetivo da doação é deixar os bebês mais calmos e acolhidos, além de os tentáculos do polvo servirem de substitutos para a criança que tende a puxar os fios e sondas da incubadora. Como a servidora do IBGE não trabalha com crochê, mas com tricô, em vez de fazer os polvos, começou a confeccionar gorros para ser mais um elemento que agasalhe o prematuro no ambiente frio da internação.

Agláia começou a trabalhar como voluntária em projetos que recebiam os gorros em 2016, primeiramente para um hospital universitário, e depois para o projeto Octo. Ela diz que uniu a habilidade e prazer com o trabalho manual à vontade de ser solidária: “É um passatempo muito bom, por que não usar esse passatempo para ajudar alguém?”, concluiu.

Conheça outras histórias sobre voluntariado na edição de março, da Revista Retratos, na matéria Outras formas de voluntariado, aqui.