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Criação de caprinos e ovinos é destaque no sertão do Ceará

Editoria: IBGE

15/01/2018 09h00 | Atualizado em 08/02/2018 08h00

O sertão do Ceará produz mais do que se imagina em um primeiro momento. O estado tem caminhado para ser destaque em criações da agropecuária, principalmente de ovinos e caprinos. Segundo dados da Produção Pecuária Municipal (PPM), pesquisa do IBGE, o Ceará possuía, em 2016, o quarto maior rebanho de caprinos do país, com 1,13 milhão de cabeças. O estado ocupava a mesma posição no que diz respeito ao efetivo de ovinos, contando com 2,31 milhões de animais. Tauá é o município cearense que possui o maior rebanho efetivo tanto de ovinos quanto de caprinos, com aproximadamente 6% da produção estadual em ambas as produções. Em 2006, segundo dados do último Censo Agro, o estado possuía 38.114 estabelecimentos agropecuários que trabalhavam com caprinos.

O servidor da Embrapa Caprinos, Klinger Aragão, ressalta que “o rebanho ovino chegou, segundo os dados de 2016, ao mesmo patamar do rebanho bovino, fato inédito quando se observa os dados de mais de 40 anos do IBGE, sendo que a bovinocultura sempre foi a principal atividade, fazendo parte, inclusive, do processo de ocupação do estado”. Segundo ele, a caprinocultura ainda não atingiu a mesma importância, mas tem apresentado crescimento nas últimas décadas, ainda que em menor ritmo.

O crescimento desse ramo da pecuária é constante no Ceará, e os produtores desejam obter informações atualizadas que subsidiem suas decisões. O Censo Agro 2017 está em campo desde outubro, e os produtores esperam os resultados dessa pesquisa para terem um retrato atualizado e preciso das mudanças que o setor vem passando.

Os caprinos são animais resistentes ao calor do sertão cearense
Uma das cabras de Francimar
O produtor José Roberto em um dos tratores de sua propriedade
Parte do rebanho de caprinos de José Roberto
O recenseador Possidônio Neto entrevista o proprietário rural Francimar Almeida

 

A equipe que trabalha na coleta

No Ceará, já foram recenseados mais de 277 mil estabelecimentos, isso corresponde a 72,2% do número total (383.902) estimado pelo IBGE. “A experiência tem sido muito boa, a gente chega nas localidades e o pessoal já reconhece a gente porque foi algo muito bem divulgado. Os supervisores foram nas rádios” destaca Railan Bernardo, de 27 anos, que utiliza uma moto para a realizar a coleta nos seus setores.

O recenseador é natural de Parambu, município vizinho a Tauá. Railan explica que mora há dois anos na cidade com sua esposa e a filha pequena por conta da licenciatura em química que cursa na Universidade Estadual do Ceará (UECE). Esta é a primeira vez que ele trabalha com o IBGE, mas já avalia a experiência como positiva: “É uma instituição muito bem organizada, muito bem assessorada, por causa dos supervisores que estão ali para te auxiliar. Antes eu estava sem trabalhar, só minha esposa trabalhava”.

Possidônio Neto mora em Tauá há cerca de um ano e meio e está trabalhando como recenseador no município. Essa, no entanto, não é sua primeira experiência no IBGE. No Censo Agro anterior, em 2006, ele participou da coleta em sua cidade natal, Crateús, localizada a 149 km de Tauá, no que foi também o seu primeiro emprego. Com 18 anos na época, ele improvisava para fazer o trabalho: “Eu não tinha transporte, então às vezes eu ia de ônibus, de carona, de bicicleta e até mesmo a pé”.

Segundo Possidônio, empatia e paciência para compreender a pessoa que está sendo entrevistada são requisitos indispensáveis para o trabalho do recenseador. Apesar de não ter nenhum produtor na família, ele ressalta que tem na figura do sogro um exemplo do esforço que o homem do campo tem de empregar todos os dias: “Ele tira da boca mesmo para comprar ali as rações para os bichos, então a gente vê o zelo que ele e outros produtores aqui de Tauá têm. Eles deixam de comprar uma vestimenta melhor ou uma comida mais sofisticada por conta do amor pelo que eles fazem”, afirma.

A perspectiva dos produtores

Francimar Batista cria caprinos desde 2000, mas só começou a explorar o leite dos animais a partir de 2011, com o auxílio do projeto Cabras Leiteiras. Em sua propriedade, o dia começa às 5 horas da manhã: “A primeira coisa que a gente faz é tirar o leite”, conta. A terra onde ele produz hoje é uma herança de seu avô, que desde 1975 trabalhou com a criação de bovinos e ovinos. Os bois e as vacas continuam, mas as ovelhas e os carneiros (ovinos) não tem mais espaço na propriedade, pois “são muito exigentes”, afirma.

O produtor mora com os pais, e os investimentos na produção de leite os ajudam a ter uma renda mais frequente do que se dependessem apenas da venda de animais. Para Francimar, a bebida não beneficia apenas sua família, visto que ele é destinado “a crianças desnutridas”, com o beneficiamento e a distribuição do produto por conta do município.

Segundo Francimar, a produção tem sido cada vez mais difícil. A seca tem obrigado os produtores a encontrar formas de produzir mais com menos animais. O produtor José Alexandrino enfrenta dificuldades parecidas, principalmente a escassez de água, elemento vital para o crescimento da produção. Alexandrino afirma que já tentou mitigar os efeitos do clima através de investimentos, como a construção de poços e açudes em sua propriedade, mas o resultado não foi satisfatório. Por conta da falta de chuvas, a água acumulada nessas fontes serve apenas para o consumo dos animais e, quando muito, para permitir o crescimento de forrageiras que servirão de alimento para suas criações.

Alexandrino tem orgulho de sua propriedade e de sua história. Segundo ele, sua família tem uma longa história com a cidade de Tauá, e sua propriedade, que hoje ocupa cerca de 2.600 hectares, cobria quase toda a extensão do município. À medida que as gerações passam, no entanto, a família vai perdendo o interesse em continuar o trabalho nas atividades da fazenda. Hoje ele mora só com sua esposa na terra, e seus filhos (um estuda contabilidade e a outra enfermagem) estão pensando suas carreiras em outros rumos.

A propriedade possui criações de gado leiteiro, ovelhas e bodes. Alexandrino ressalta que os maiores destaques são as criações de ovinos e caprinos, porque não são necessários muitos gastos com elas. Os principais custos com esse tipo de animal são os medicamentos, mas a alimentação é simples.

A produção da fazenda é de 700 litros de leite por dia. Destes, cerca de 400 litros são vendidos para uma fábrica de leite, enquanto os 300 litros restantes são vendidos no centro da cidade. Por ano, são vendidos em média entre 400 e 600 carneiros. Alexandrino relembra que seu pai produzia cerca de 30 mil arrobas de algodão, além de feijão e milho, e tinha até mesmo dificuldade de vender tudo. Atualmente, isso não é mais possível. O produtor afirma que, devido às secas, a agricultura não é mais praticável em sua propriedade. Atualmente, eles tentam plantar sorgo e milho e aguardam a rara chuva chegar para obter algo para alimentar os animais da propriedade. Ele se esforça e faz o que pode enquanto o inverno não chega, sempre esperando que o ano seguinte traga condições melhores.

José Roberto Alves também cria caprinos, bovinos e tem uma pequena produção de suínos, na propriedade em que mora com sua esposa, sua mãe e sua irmã. Além do consumo próprio, ele trabalha com venda de leite e corte de carne de caprinos. Desde os tempos de seu pai e avô existe criação de bovinos e ovinos, enquanto a criação de caprinos foi ideia sua, que corresponde, na atualidade, a quase metade do efetivo do sítio.

Uma forma que ele encontrou para inovar foi a produção de queijos de sabores diferentes. Desde o queijo apropriado para pessoas com hipertensão até queijos com tempero de pimenta. Outra ferramenta usada para facilitar a divulgação do produto são as redes sociais. O trabalho na fazenda é pesado e difícil, mas Roberto aponta um ponto positivo nisso: a família se torna mais unida.



Entre os desafios, a expansão do mercado consumidor

Não é apenas o comércio de animais que movimenta a economia da cidade. Os produtos derivados dessas criações também colocam em movimento diversas atividades econômicas que têm ganhado destaque nos últimos anos.

A coordenadora técnica do Censo Agro no estado, Regina Dias, destaca que a criação de caprinos possui destaque porque “92% do Ceará está no semiárido. Por isso, além de ser a espécie animal mais adequada às condições do nosso ecossistema, o custo para sua produção é baixo e os produtos da caprinocultura tem um preço bom”, afirma.

“O leite de cabra possui alto valor nutricional, possui melhor digestibilidade e o dobro de ácidos graxos que o das vacas”, destaca a chefe de nutrição do Hospital Universitário Walter Cantídio, Ana Kátia Moura. Ela ressalta que ele é contraindicado para quem possui alergia à proteína do produto bovino e que, no caso da nutrição infantil, o leite materno é insubstituível.

O secretário de agricultura de Tauá, Argentino Tomaz, ressalta que a carne dos caprinos do município é reconhecida como uma das mais saborosas do estado. E isso pode ser conferido nas ruas da cidade. Um dos negócios mais tradicionais, a churrascaria da Corintiana, possui como especialidade a carne de carneiro. Tomaz afirma que grande parte da produção de caprinos e ovinos é consumida no próprio município e o excedente é vendido para outros centros como Fortaleza, Juazeiro do Norte e Picos, no Piauí, por exemplo.

Apesar de o crescimento apresentado, ainda são necessários investimentos para que a caprinocultura cearense se desenvolva, entre eles a ampliação dos mercados consumidores. Essa necessidade de ampliação da clientela e o estabelecimento de uma cadeia produtiva organizada figura como um desejo expresso por muitas das partes envolvidas na criação de ovinos e caprinos, desde técnicos e acadêmicos até produtores e representantes do poder público. Espedito Martins, da Embrapa Caprinos, ressalta que “existem iniciativas que buscam certificar as carnes produzidas na região, e tentam uma certificação de origem para a “Manta de Tauá”.

José Alexandrino acredita que os produtores deveriam se organizar e, com incentivo do poder público, fortalecer o comércio do artigo. Para que isso ocorra, o produto deve ser valorizado e não ser vendido para “o primeiro atravessador que aparece”, conclui.

Texto e imagens: Paulo Yan Carlôto, do Ceará
Arte: Pedro Vidal