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Da serra aos pampas, diversidade marca Censo Agro no Rio Grande do Sul

Editoria: Séries Especiais

18/12/2017 09h00 | Atualizado em 24/01/2019 11h01

A diversidade da produção agropecuária do Rio Grande do Sul é o principal desafio para o Censo Agropecuário 2017, que está no terceiro mês, com 47% da coleta realizada. Na serra gaúcha e nas regiões norte e noroeste do estado, predominam as pequenas propriedades, com uma grande variedade de produtos, enquanto na metade sul e na região da fronteira oeste encontram-se estabelecimentos maiores, geralmente dedicados à monocultura, tradicionalmente o arroz ou a pecuária.

Essa diversidade afeta a operação censitária no estado. “Nas regiões de pequenas propriedades familiares, o recenseador tem um número grande de estabelecimentos dentro de uma área menor, o que facilita a locomoção e o tempo de deslocamento entre as propriedades, porém o tempo de entrevista é maior pela diversidade da produção. Já nas áreas de grandes terras, a distância é maior e o número de propriedades é menor, mas são questionários mais rápidos de serem feitos, pois, geralmente, existe apenas um tipo de cultura”, explica o coordenador operacional do Censo Agropecuário no Rio Grande do Sul, Luís Eduardo Puchalski.

Maior produtor nacional de uva, arroz, batata-doce, fumo e trigo, segundo a Produção Agrícola Municipal (PAM) de 2016, do IBGE, o Rio Grande do Sul tem o campo como um ponto central de sua economia. A agropecuária familiar é a responsável pela maior parte da produção gaúcha de feijão, milho, mandioca e de leite de vaca, produtos que estão no cotidiano da mesa de famílias na área rural e nas cidades.

Na coleta das informações, a maioria dos recenseadores usa moto ou bicicleta, mas existem lugares em que eles preferem chegar a pé, a cavalo ou até mesmo de barco, como nas ilhas do Rio Jacuí e na região de Rio Grande, no litoral sul do estado. De moto, o recenseador Marcírio Leite percorre o interior de Sant’Ana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. Nas duas primeiras semanas em que trabalhou na coleta, ele já havia percorrido 1.080km. “Já trabalhei em outros censos, a gente tem que perceber, conhecer, enxergar as coisas, ou muita coisa passa desapercebida”, diz.

 

O recenseador Marcírio Leite entrevista produtora rural no Rio Grande do Sul

Trigo e arroz e a produção de alimentos para o mercado interno

O agrônomo Kalinton Prestes, da Fetag/RS (Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul, filiada à Contag), ressalta a importância do estímulo à produção de alimentos para o mercado interno, política que favorece os pequenos agricultores, além de proporcionar produtos mais baratos para os moradores da cidade.

No entanto, produtos como o arroz e o trigo vêm perdendo espaço nos últimos anos para a soja. Dados da PAM mostram que 2016 foi o ano com menor área plantada de trigo desde 2007, apesar da produção ter sido a terceira maior no período.

Na avaliação do presidente da Fecoagro-RS (Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul), Paulo Pires, culturas como trigo e arroz não oferecem ao produtor a segurança necessária, muito pela dependência do clima, o que faz a produção variar constantemente.

“Muitos têm uma ideia de que o produtor prefere a monocultura, mas isso não é real. A soja é um produto com maior liquidez e isso dá segurança ao agricultor. Por isso, seria importante a criação e o fomento de políticas públicas que estimulassem a produção de alimentos voltados para o consumo interno, como é o caso do arroz e do trigo”, explica Pires, que defende como alternativa criar e ampliar programas públicos de seguro agrícola.

Questões tarifárias e de importação também interferem na produção local. Para Kaliton, muitos agricultores têm dificuldade de seguir trabalhando pelo “alto custo de produção e o baixo preço de remuneração, que sofre retração quando o governo abre as importações do trigo de outros países via Mercosul”.

Ainda assim, o trigo e o arroz seguem tendo uma importância significativa no estado. Os dados da PAM mostram que o valor da produção de arroz em casca foi de R$ 6 bilhões, enquanto a de trigo chegou a R$ 1,3 bilhão em 2016. A última edição do Censo Agropecuário, realizada em 2006, mostrou que existiam 19.766 estabelecimentos agropecuários destinados à produção de trigo no Rio Grande do Sul, sendo 14.379 de agricultura familiar, pelos critérios definidos pela Lei Federal 11.326/06. O arroz estava presente em 11.967 estabelecimentos agropecuários, sendo 7.176 destes de agricultura familiar.

Esse avanço da soja para exportação é ainda mais significativo na região de cultura de milho e nas áreas antes destinadas às pastagens para criação de bovinos na região dos pampas, salienta o coordenador operacional do Censo Agropecuário, o agrônomo Luis Eduardo Puchalski. Dados da PAM já mostram isso: em 2016, o milho teve a menor área plantada ou destinada a colheita (740 mil hectares) desde 1988, quando esse dado começou a ser levantado. Em 1992, a área plantada ou destinada a colheita superou 2 milhões de hectares no Rio Grande do Sul.

O peruano Fernando Rotondo mostra sua produção de oliveiras

Mais incentivo à manutenção do jovem no meio rural

Uma preocupação das entidades do setor é referente a manutenção e criação de oportunidades aos jovens no meio rural. Os dados do último Censo Agropecuário já mostravam que o perfil médio dos dirigentes dos estabelecimentos agropecuários gaúcho era de homens entre 45 e 55 anos com ensino médio incompleto.

Para o Kaliton, a superação desse cenário é possível com apoio do Estado para o acesso à saúde e à educação no meio rural, investimentos nos sinais de telefonia e internet, além do aumento na infraestrutura rodoviária. Ele salienta ainda que é necessário também “uma política efetiva para a juventude rural, oferecendo as condições necessárias para a aquisição de áreas de terra”.

A questão da sucessão rural já começa a aparecer na coleta do Censo: “é um dado a ser confirmado ainda, mas pode haver uma diminuição do número de estabelecimentos agropecuários no estado, os recenseadores têm se deparado com locais que eram estabelecimentos em 2006, e hoje são apenas locais de moradia de idosos aposentados na zona rural, onde não há mais comercialização e a produção que existe é apenas complementar, não se enquadrando em subsistência, pois o que sustenta essas famílias é a aposentadoria”, explica Puchalski.

O coordenador do Censo conta ainda que, em regiões onde é viável o cultivo da soja, os agricultores aposentados acabam arrendando as terras e garantindo a renda extra, embora isso não aconteça em regiões de serra, onde o terreno é íngreme.

A cultura de oliveiras está ganhando espaço no campo gaúcho

Novas culturas

Não apenas as culturas tradicionais do sul do país estão presentes no Censo. Novas alternativas de renda no meio rural foram incluídas no atual levantamento. É o caso da noz-pecam e do cultivo de oliveiras para a produção de azeitonas e azeite de oliva.

“A noz-pecam e a oliva não constavam com códigos específicos no Censo Agropecuário em 2006, mas percebemos nos levantamentos da Pesquisa Agrícola Municipal uma frequência maior dessas culturas e incluímos códigos específicos desta vez”, explica o coordenador técnico do Censo Agropecuário na Unidade Estadual do IBGE, Cláudio Sant’Anna.

Um exemplo é o do produtor Fernando Rotondo, um peruano que largou o emprego em uma multinacional do ramo de defensivos agrícolas em São Paulo em 2009 e passou a plantar oliveiras em Sant’Ana do Livramento, junto com a esposa. Além do cultivo, ele conta com viveiros e uma pequena fábrica com maquinário importado da Itália em uma propriedade de 30 hectares. Ao todo, são 10 mil plantas, com nove variedades de olivas.

O clima propício e a questão econômica foram determinantes para a escolha do local. “É uma cultura que exige muita dedicação do produtor e leva um tempo para dar retorno financeiro, não é um cultivo fácil”, salienta Rotondo, que também adverte que existem pessoas trocando a pecuária pelas oliveiras. “São completamente diferentes, o grau de envolvimento é muito maior”. A planta entra em idade produtiva em média após quatro anos, e a produtividade é muito dependente do clima. “A gente vive disso, vivemos dessa atividade. Moramos aqui”, conclui.

Texto e imagens: José Zasso, do Rio Grande do Sul
Infográfico: Pedro Vidal