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No Vale do São Francisco, Censo Agro colhe dados de frutas que ganham o mundo

Editoria: Séries Especiais

11/12/2017 09h00 | Atualizado em 24/01/2019 11h01

Pode esquecer a ideia de que no Sertão só existem cactos e que as pessoas e os animais sofrem com a falta d’água. O cenário é completamente diferente no Vale do São Francisco, a região margeada pelo rio de mesmo nome nos estados de Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, um polo da fruticultura irrigada no Brasil. Colher dados sobre as produções vegetais e animais na área é tarefa do Censo Agropecuário que está em campo desde outubro deste ano e vai até fevereiro de 2018.

Na cidade de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, 16 recenseadores estão encarregados de coletar informações em cerca de 5.300 estabelecimentos agropecuários. Para garantir que todas as áreas sejam cobertas pelo censo, o IBGE contratou na região quatro barqueiros, que levam os recenseadores para áreas de ilhas e também servem como guias nas regiões, como explica o responsável pela subárea de Petrolina, Francisco José de Carvalho.

"Há oito ilhas no Velho Chico em Petrolina com produção agropecuária. No município de Santa Maria da Boa Vista são 11, com destaque para a produção de banana. Lá, seis barcos ajudam no censo", conta Francisco. Nas barcas, os recenseadores também costumam transportar motos particulares, que ajudam no deslocamento em terra. "Tivemos um caso curioso: o recenseador que ficou responsável pela Ilha do Massangano, em Petrolina, e se apaixonou pela região. Passou 14 dias lá, recenseou 130 estabelecimentos e disse que pretende voltar para morar de vez", conta Francisco José sobre a ilha que é destaque na produção de manga.


Rio São Francisco cruza propriedades agrícolas em Pernambuco 

Água do rio dá vida às plantações

Nos anos 60, tiveram início os primeiros projetos públicos de irrigação na região, feitos com estudos húngaros e israelenses. O polo de irrigação mais desenvolvido do Vale está situado em torno das cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). De acordo com informações da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), na região encontram-se instalados sete Projetos Públicos de Irrigação (PPI), sendo dois em Pernambuco: Senador Nilo Coelho e Bebedouro; e cinco na Bahia: Curaçá, Maniçoba, Tourão, Mandacaru e Salitre. 

De acordo com dados da Codevasf, em termos econômicos, no ano de 2016, os resultados mais expressivos do Valor Bruto da Produção foram os PPI Senador Nilo Coelho (R$ 1,39 bilhão), Curaçá (R$ 135 milhões), Maniçoba (R$ 116 milhões), Tourão (R$ 101 milhões), Bebedouro (R$ 44 milhões) e Mandacaru (R$ 9 milhões). Estima-se que atualmente estes projetos de irrigação gerem em torno de 81 mil empregos indiretos e 54 mil empregos diretos, totalizando 135 mil empregos no ano de 2016.

A área cultivada nos projetos, em 2016, segundo dados do Relatório de Gestão da Codevasf, foi de 54.015 hectares, sendo produzidos entre culturas temporárias e permanentes principalmente uva, manga, goiaba e cana-de-açúcar.

Uso eficiente da água e da terra

A história do desenvolvimento da região está totalmente atrelada à do rio São Francisco, de onde se tira água para as plantações. “A irrigação usando água do rio começou de forma confortável, bonita, gastando muita água, usando as técnicas de aspersão convencional e de pivô central, em que a eficiência da irrigação é menor, porque a água é pulverizada e uma parcela significativa se perde por causa do vento”, explica a professora do departamento de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Rosimar Musser.

Hoje em dia, a tecnologia utilizada já é outra, sendo usadas, principalmente, as técnicas de microaspersão e gotejamento. “A água sai direto no pé da planta, o que racionaliza o uso”, completa a pesquisadora. Na mesma direção, a Codevasf também tem procurado enfatizar o uso eficiente da água e do solo. “Junto com o Ministério da Integração Nacional foram elaborados e entregues aos produtores projetos de modernização da irrigação parcelar. De posse desses projetos, o agricultor poderá buscar financiamento para proceder à conversão do sistema de irrigação convencional para o sistema de microaspersão, o que em alguns casos pode gerar economia de até 60%", explica a gerente de Apoio à Produção da Codevasf, Andrea Rachel Sousa.

Cultura irrigada de manga no Vale do São Francisco   

Essas mudanças na forma de produção estão sendo observadas na prática pelo 10º Censo Agropecuário. Maria Deuzimar Gonçalo, 27 anos, é uma das recenseadoras de Petrolina. Antes de começar a trabalhar no IBGE, a jovem trabalhava no campo, o que lhe dá uma bagagem grande na hora de aplicar o questionário do Censo. "Meu setor de trabalho é perto da minha casa, o que facilita bastante. Em muitos dos lotes eu também já havia trabalhado, então já imaginava o que ia encontrar, já conhecia a realidade de cada um deles", detalha Deuzimar.

"A realidade de 10 anos atrás é bem diferente da de agora. A maioria dos lotes foram divididos. Cheguei a encontrar lotes com mais de dez pessoas responsáveis: o pai dividiu entre os filhos e cada um tem sua parte", explica a recenseadora. Na hora de se deslocar para aplicar os questionários, ela usa moto, bicicleta e às vezes vai a pé.

Taiane Gomes, 26 anos, está recenseando estabelecimentos no projeto Nilo Coelho. Para ela, a grande dificuldade diz respeito ao clima: "Geralmente, trabalho de 6h às 12h. À tarde é mais difícil encontrar os proprietários nos lotes. Muitas vezes a gente aplica os questionários na roça mesmo, enquanto o pessoal está trabalhando, então é um sol muito forte", afirma a recenseadora. O clima tem influência direta na vida de quem vive no campo. Neste ano, as temperaturas foram um pouco mais baixas em Petrolina, tendo impactado no plantio da uva. "Os produtores têm reclamado que, como fez mais frio, é preciso usar mais agrotóxicos para o controle de pragas, o que acaba aumentando os custos da produção", detalha Taiane.

Uvas e mangas do sertão para o exterior

"No eixo Petrolina-Juazeiro está o maior polo de fruticultura do Brasil, com destaque para a produção de uva, manga, goiaba e cana-de-açúcar”, afirma Ricardo Chaves, professor da Universidade Federal de Pernambuco e Phd em economia agrícola. Por ano, a região produz cerca de 604 mil toneladas de manga e 252 mil toneladas de uvas, de acordo com informações da Vale Export. As frutas são vendidas no mercado interno e também exportadas. Os principais importadores dessas frutas são Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Canadá, e Argentina, segundo dados do Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior (AliceWeb), em 2017.

Muita gente pode se surpreender com essa área do sertão nordestino sendo destaque no plantio da uva, fruta típica do clima temperado. Há produção de uva de mesa - consumida in natura -, vinífera - usada na produção de vinhos e espumantes - e a agroindústria, que utiliza as frutas de menor qualidade para a produção de produtos como sucos, geleias e frutas desidratadas. O Vale do São Francisco é um lugar muito particular para a fruticultura de ponta, explica a agrônoma Rosimar Musser: “O grande diferencial é a possibilidade de escalonar a produção. Com o uso das técnicas adequadas, é possível deixar a planta repousar no período que se quer, e colher também quando se quer. Assim, conseguimos ter duas safras ao ano, ao contrário de outras localidades que só têm uma”, detalha a pesquisadora.


Colheita de uva no Vale do São Francisco

Na Fazenda Liberdade Agropecuária são plantados 11 hectares de uva de mesa. A maior parte da produção é exportada, sendo o principal destino os Estados Unidos.  "Produzimos, em média, 300 toneladas por ano, são 26 funcionários que trabalham na propriedade. Isso tudo só é possível por causa da irrigação", afirma a auxiliar administrativa da propriedade.  Juvenal de Brito, de 45 anos, cuida do Sítio Mãe Terra. A propriedade tem 10 hectares, onde são produzidas de 250 a 300 toneladas de manga por ano. "Para quem tem coragem, aqui não falta emprego", afirma o administrador natural de Afrânio, no sertão de Pernambuco, e que já vive há 18 anos em Petrolina.  Dados atuais mostram o desenvolvimento econômico e social do município. "O PIB de Petrolina passou de R$ R$ 725,4 milhões em 2010 para R$ 5,2 bilhões em 2014, segundo o IBGE, e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de 0,580 em 2000 para 0,697 em 2010", ressalta a gerente da Codevasf, Andrea Sousa.

Abrindo as porteiras para o Censo Agro

Colher informações atualizadas sobre o setor agropecuário é a grande tarefa do Censo que está em campo. Em Pernambuco, a expectativa é coletar dados relativos a cerca de 309 mil estabelecimentos agropecuários. Em torno de 850 recenseadores estão visitando todas as cidades do estado, que está dividido em 18 subáreas e 49 postos de coleta. No último censo, realizado em 2006, Pernambuco foi o sexto estado do Brasil com maior número de unidades cadastradas, atrás da Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará e Paraná.

O recenseador Allan Barbosa entrevista produtora rural

Evaldo Lopes, 33 anos, também é um recenseador de Petrolina. O jovem já é experiente nos levantamentos do IBGE, tendo trabalhado no Censo Agro de 2006 e no Censo Demográfico de 2010. Para ele, a maior dificuldade em realizar a coleta é quando a população não está bem informada sobre a pesquisa e fica receosa em prestar informações. A coordenadora técnica do Censo em Pernambuco, Remonde Gondim, destaca a importância de se colaborar: "Nós queremos fazer um retrato da realidade, ver o que realmente o país está produzindo para que se pensem políticas públicas adequadas ao setor, garantindo o exercício da cidadania de todos".

A grande missão do Censo Agro é retratar o Brasil rural, como é o da família da recenseadora Deuzimar, que lembra: "Conheci na pele o que é encarar o sol. A realidade é muito triste para quem depende da roça: se não trabalhar, não come", conclui.

Texto: Alana Lima, de Pernambuco
Infográfico: Pedro Vidal
Imagens: Codevasf/Divulgação e Edmilson Siebra